A proposta de desmilitarização da polícia e, especificamente, a extinção da Polícia Militar, é um tema de intenso debate no Brasil, com argumentos que apontam para um modelo de segurança pública mais eficiente, democrático e atento aos direitos humanos. O atual modelo de policiamento militarizado é inadequado para o contexto metropolitano, contribui para a violência policial e se mostra ineficaz no combate à criminalidade. A mudança para uma polícia de caráter civil, com foco na mediação de conflitos e na proximidade com a comunidade, poderia melhorar a confiança pública e diminuir os altos índices de letalidade que atualmente marcam a atuação da PM.
O modelo de polícia militar no Brasil possui raízes históricas que remontam ao período colonial e à ditadura militar, quando foi concebido com uma finalidade eminentemente repressiva. Esse legado autoritário reflete-se em práticas violentas que tratam parcelas vulneráveis da população como inimigos a serem combatidos, ao invés de cidadãos a serem protegidos. No entanto, no contexto de uma democracia, a lógica de guerra é incompatível com as funções de segurança pública, que devem priorizar a preservação da vida e a proteção dos direitos fundamentais.
Não fosse o bastante, a estrutura rígida e hierarquizada da Polícia Militar impede o desenvolvimento de uma cultura de policiamento com prioridade na mediação de conflitos e no respeito aos direitos humanos. Em vez disso, predomina um treinamento voltado ao enfrentamento e ao uso excessivo da força, o que resulta em altos índices de letalidade e em episódios recorrentes de abusos de autoridade. Tais práticas reforçam a desconfiança da população, especialmente nas comunidades mais vulneráveis, onde a presença da PM é frequentemente associada à violência e à repressão - sobretudo contra pessoas pretas, pobres e periféricas.
Um dos maiores problemas do modelo militar é a falta de mecanismos de controle e transparência. A dificuldade de investigar e punir adequadamente violações de direitos por parte de policiais militares é exacerbada pela estrutura fechada e autorreferente da corporação. Isso impede que cidadãos e instituições civis exerçam efetivo controle sobre as ações da polícia, resultando em um quadro de impunidade que mina a credibilidade do sistema de segurança pública.
Adicionalmente, a utilização da Polícia Militar como força repressiva em protestos e manifestações populares é um sintoma do descompasso entre a sua lógica operacional e os valores democráticos. Quando a Polícia Militar é chamada para intervir em eventos de natureza política, muitas vezes emprega táticas de confronto que desrespeitam o direito constitucional de manifestação, tratando ativistas como inimigos internos a serem contidos.
Nesse sentido, a proposta de desmilitarização não é meramente simbólica, mas representa uma mudança estrutural necessária para que se construa um modelo de segurança pública verdadeiramente comprometido com a promoção da paz social. Ao substituir a Polícia Militar por uma força de caráter civil, mais integrada à comunidade e capacitada para lidar com os desafios cotidianos de segurança pública, o Brasil daria um passo importante na construção de um sistema que não veja o cidadão como ameaça, mas como parceiro na promoção de um ambiente seguro e pacífico.
Em síntese, o fim da Polícia Militar é uma oportunidade para reformar profundamente o sistema de segurança pública, trazendo-o para mais perto dos valores democráticos e garantindo que a proteção de todos os cidadãos seja a prioridade. A criação de uma polícia civil unificada, com treinamento voltado à mediação e à proteção de direitos, é um caminho necessário para diminuir a violência policial, aumentar a confiança pública e transformar o Brasil em um país mais seguro e justo.
Olavo Hamilton
Advogado, Doutor em Direito pela Universidade de Brasília (UnB),
Conselheiro Federal da OAB, Professor e Escritor