OPINIÃO

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Quarta, 11 Dezembro 2024 15:21

Direito à desconexão: Um novo paradigma para a limitação da jornada de trabalho no Brasil

Discute-se amplamente no Brasil a redução da jornada de trabalho 6x1, cujo centro do debate tomou maiores contornos com o movimento Vida além do Trabalho (VAT) juntamente com uma nova e possível Proposta de Emenda Constitucional.

O texto propõe o fim da escala 6x1, que nesse modelo, permite apenas uma folga semanal para o trabalhador, e sugere reduzir o limite de 44 horas semanais para uma margem de 36 horas, mantendo a carga máxima de oito horas diárias. 

A polêmica, que trouxe comoção nas redes sociais e demais mídias, apesar de muito válida, não é nova, pois já tramitam outras propostas de emenda constitucional que tratam da possibilidade da redução da jornada de trabalho no Brasil, a exemplo das PECs nº 221/2019, que visa reduzir a jornada de trabalho a 36 horas semanais (em um prazo de 10 anos) e a de nº 148/2015, em sentido semelhante.

Além disso, muitos países, há quase uma década, já vêm adotando a redução da jornada de trabalho, seja através de novas legislações ou mesmo por liberalidade empresarial, bem como buscam efetivar o que se apelidou de R2D.

Fato incontestável é que a flexibilização das jornadas de trabalho, os modelos de trabalho, a hiperconectividade a que estamos sujeitos com o avanço das novas ferramentas tecnológicas e nossa saúde mental são temas, no novo mundo do trabalho, em grande evidência.

Em cerca de 25 anos, passamos de um período em que era um privilégio ter uma conexão a um período de excessiva conexão, de sobrecarrega de informação, de disponibilidade remota permanente, de um sentimento de assédio e/ou vigilância, de controle e acessibilidade a qualquer horar e lugar.

A tecnologia modificou a organização do trabalho, bem como a noção de tempo e de local. Assim, é essencial o debate sobre o conceito de desligar-se concretamente do trabalho como forma, inclusive, de sua preservação.

O "right to disconnect" (R2D) vem desta necessidade cada vez mais gritante de desconectar. Portanto, no seu sentido amplo, significa viver fora do trabalho sendo esta uma condição vital numa sociedade na qual o trabalho se torna apenas um meio, para a maioria das pessoas, de satisfação das necessidades mais básicas.
R2D, significa não estar sempre acessível, não ser controlado à distância durante o tempo de descanso e recuperação. Em termos práticos, é o direito de não receber chamadas telefônicas, e-mails, cobranças, ou mensagens instantâneas fora do horário de trabalho ou qualquer outro tipo de solicitação e até mesmo punição, permitindo que o trabalhador não se envolva em atividades relacionadas ao trabalho.

Na atual conjuntura, propomos ir além de um limite constitucional de jornada de trabalho para o respeito pleno a um direito ao não trabalho, o que está mais intimamente ligado a ideia de trabalho sadio, sendo importante analisarmos sobre o viés de que não necessariamente estamos falando de um novo direito dos empregados, mas talvez de uma “lei de contenção”, ou seja, um novo dever do empregador.

Torna-se urgente repensarmos a lógica da divisão de oito horas de trabalho, oito horas de descanso e oito horas de lazer, já que as relações de trabalho, pela sua própria natureza são mais expostas a influência das mudanças tecnológicas e a segmentação acima não faz mais sentido e não é a realidade da maioria dos trabalhadores, principalmente para as mulheres. 
No sentido econômico, que jamais pode ser ignorado, um empregado descansado produz mais. No sentido social e psicológico, permite-se momentos de relaxamento e reequilíbrio mental, já que teremos mais momentos de lazer, com a família, amigos, estudo e de engajamento social.

Mas como concretizar isso, numa sociedade que também discute e incentiva o aumento de jornada de trabalho e venera a cultura do urgente, da falácia da meritocracia e da aceitação do “assédio digital” muitas vezes como critério de empregabilidade, certamente será um desafio mundial e que merece, ao menos, um olhar despolarizado já que afeta a todos em maior ou menor grau.

Nesse contexto, precisamos aproveitar a onda deste caloroso debate “6x1” para aprofundarmos também a discussão do conceito de blurring (borrar/ desfocar) e a ausência de fronteiras entre a vida particular e profissional. 

O uso e abuso das tecnologias de informação e comunicação também precisam ser encaradas como fonte de danos ainda desconhecidos até então inimagináveis, já que para não ser excluído o trabalhador precisa desenvolver habilidades digitais mínimas que lhe permitam sobreviver na era digital.

Assim, a ironia em torno da desconexão é que quanto mais as pessoas são “sugadas” para o trabalho, menos elas conseguem se conectar plenamente com ele. 
Diante desse cenário, o direito à desconexão e a limitação da jornada de trabalho emergem como questões essenciais para a preservação da saúde mental e do bem-estar do trabalhador e a necessidade de repensar modelos de trabalho mais humanos e sustentáveis.


Fernanda de Carvalho Serra é Advogada, Membra da Comissão de Direito do Trabalho do IAB, Mestranda pelo ISCAP/Porto, especialista em Direito Empresarial do Trabalho pela FGV/RJ e em LGPD e Compliance pelo IDET/ Universidade de Coimbra e Vice-Presidente da Comissão de Combate ao Assédio Moral no Trabalho da OAB/RJ.

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