IAB NA IMPRENSA

NA MÍDIA

Emanuel Soledade

Emanuel Soledade

Sexta, 14 Outubro 2016 21:45

O ESTADO POLICIAL E OS DIREITOS HUMANOS

“O filósofo Michel Foucault contribuiu para os movimentos abolicionistas penais, ao demonstrar que da transição da monarquia, com o seu caráter absolutista, para o estado republicano democrático de direito, restou, como forma de controle dos indivíduos, o estado policial, contra o qual devem ser tomadas ações políticas e jurídicas em defesa dos direitos humanos, que ele chamava de direitos dos governados.” A afirmação foi feita pelo professor de sociologia André Saldanha, da Universidade Cândido Mendes (Ucam), na sua palestra sobre Direitos Humanos e Michel Foucault, nesta sexta-feira (14/10), no plenário do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). A respeito do tema também falou o advogado Euclides Lopes, membro da Comissão de Filosofia do Direito do IAB. “O advogado fica restrito às normas, enquanto o filósofo é livre no seu ofício de desenvolver linhas de pensamento”, afirmou Euclides Lopes.
Além do retrocesso estrutural promovido por um governo ilegítimo, sem um único voto apesar da Constituição Federal afirmar que "todo poder emana do povo e em seu nome será exercido", o Brasil também vive hoje um retrocesso moral, porque não existe justiça. Fruto de um golpe perpetrado por um Congresso recheado de corruptos, entreguistas, traíras, hipócritas e agora também esfaimados, sob os aplausos silenciosos de um Judiciário partidarizado, o governo Temer vem desmontando de forma acelerada todas as conquistas sociais obtidas nos últimos doze anos pelos governos petistas, promovendo um vergonhoso retrocesso num país que já ocupava um lugar de destaque entre as grandes potências mundiais. A PEC 241, cuja aprovação foi comemorada ruidosamente por uma Câmara empanturrada de filé mignon e caviar num rega-bofe de conchavos oferecido no palácio por Temer – a mesma Câmara que destituiu uma Presidenta democraticamente eleita – se passar em todas as instâncias vai completar o conjunto de medidas que levarão o Brasil de volta ao passado.

Nesse contexto ninguém melhor do que o deputado Nelson Marquezelli, do PTB paulista, para representar essa Câmara que, de barriga cheia, aprova tudo o que Temer mandar. Depois de aprovar a PEC 241 que, entre outras coisas, reduzirá os recursos para a Educação e fechará as portas das universidades para os pobres, ele justificou o seu voto afirmando que "quem não tem dinheiro não estuda". Esse, porém, é apenas um dos malefícios dessa proposta que, se efetivamente incorporada à Constituição, engessará o Brasil por 20 anos, tempo em que ficará estagnado enquanto os outros países prosseguirão em seus avanços. Essa PEC, por si só, já é um indicativo dos rumos desastrosos em que o país foi colocado, "uma prova, segundo o senador Roberto Requião, de que estamos caminhando para o caos político e econômico". Para ele, "essa proposta tão absurda serve para mostrar o grau de anormalidade política e institucional em que vive hoje o país", contrariando o decano da Suprema Corte, ministro Celso de Mello, para quem vivemos "em clima de absoluta normalidade institucional".

O Supremo Tribunal Federal, cujo ministro Luiz Barroso negou o mandado de segurança que pedia fosse sustada a tramitação da PEC 241, há tempos deixou de ser o último reduto da cidadania e o Guardião dos Direitos Constitucionais, assumindo um comportamento muito estranho para quem tem o dever de defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição. Muito pelo contrário, aquela Corte, na verdade, tem sido acusada de desrespeitar a Carta Magna. Foi o caso, por exemplo, da decisão, com o voto de minerva da sua presidenta, ministra Carmem Lucia, segundo a qual os condenados em segunda instância devem ser presos imediatamente sem direito a recorrer em liberdade. Comemorada, por motivos óbvios, pelo juiz Sergio Moro mas condenada por juristas, entre eles o professor Renato Silveira, da USP, essa decisão foi considerada uma afronta à Constituição, que prevê a prisão apenas após esgotados todos os recursos. E mais: para aquele professor somente o Congresso Nacional tem competência para legislar a respeito, uma vez que a decisão altera o conceito da presunção de inocência definido na Carta Magna. "O que me preocupa – disse Silveira em entrevista à "Folha" – é o ativismo judicial quando se dá contra os interesses do individuo". E acrescentou: "É uma ameaça aos direitos individuais".

A propósito dessa decisão, que dividiu os ministros da Suprema Corte, o presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Técio Lins e Silva, ironizou o fato divulgando uma nota fúnebre em que cumpre o doloroso dever de anunciar a morte da Constituição de 1988. A nota, que destaca ter o STF na prática negado a validade da garantia individual da presunção de inocência, termina informando que "os advogados estão de luto, assim como centenas de milhares de presos miseráveis e seus familiares, a quem o IAB apresenta suas mais sinceras condolências".

Enquanto isso, causa estranheza o silêncio da Ordem dos Advogados do Brasil, antes tão diligente nas críticas ao governo da presidenta Dilma Roussef, cuja destituição apoiou. A recente decisão da Suprema Corte, no entanto, vem confirmar a sua mudança de comportamento observada desde o julgamento do chamado "mensalão", quando começou a ignorar a Constituição para sentenciar os réus, condenados sem provas com base na "teoria do domínio do fato". E hoje sequer se invoca essa teoria, porque bastam interpretações subjetivas, convicções e ilações para decretar-se a prisão de alguém.

Constata-se, dessa forma, um retrocesso também no Judiciário, que está retornado aos tempos primitivos, quando se torturava o preso para obter a confissão até de um crime que não havia cometido. A diferença é que hoje a tortura não é física, mas moral, mantendo-se o acusado indefinidamente na prisão para obrigá-lo a delatar, conforme denúncias de advogados de presos da Operação Lava-Jato e, inclusive, de um promotor da Justiça paulista, o que se constitui uma grave ofensa à Constituição. E, pior: os procuradores que atuam na Lava-Jato só aceitam as delações se elas incriminarem o ex-presidente Lula, segundo denunciou a jornalista Mônica Bergamo, da "Folha". Embora até a presente data não tenha sido encontrado absolutamente nada que pudesse incriminar o líder petista, cuja vida vem sendo exaustivamente investigada, é pública e notória a perseguição ao ex-presidente operário, sob a indiferença da Suprema Corte, constituída em parte por ministros nomeados por ele.

A Lava-Jato, na verdade, usa o combate à corrupção como pretexto para perseguir Lula e os petistas, pois esqueceu completamente, entre outros, o ex-deputado Eduardo Cunha, cujas provas dos crimes de que é acusado se amontoam. E, o mais estarrecedor: o ministro da Justiça Alexandre de Moraes, acusado pela Operação Acrônimo de receber R$ 4 milhões da construtora JHFS, simplesmente teve a denúncia sumariamente arquivada pelo ministro Luiz Fux, do STF, do mesmo modo como o ministro Gilmar Mendes costuma arquivar as denúncias contra o senador Aécio Neves. Um escândalo, considerando que o ex-ministro Antonio Palocci foi preso porque os procuradores da Lava-Jato concluíram que ele é o "Italiano", codinome encontrado numa das planilhas sobre pagamento de propinas. Não há nem acusação nem prova contra ele, só a suposição de que é o "Italiano", o que, no entanto, foi suficiente para a sua prisão. Alexandre, porém, é tucano. Se fosse petista já estaria em cana. A parcialidade da Corte está levando o brasileiro a desacreditar da Justiça. Por isso o jornalista Barjonas Teixeira disse, em sua coluna, que "o STF instituiu duas leis no Brasil: uma vale para Lula e os petistas e a outra para o PSDB, os ministros de Temer e qualquer outro partido que não seja o PT". Um retrocesso moral.
Segunda, 03 Outubro 2016 18:53

Desrespeito a direitos fundamentais


Desrespeito a direitos fundamentais se travestiu de legalidade, acusa Batochio

30 de setembro de 2016, 17h35

Os direitos fundamentais no Brasil estão sendo desrespeitados por “nichos burocráticos obscurantistas encrustados na estrutura do Estado”, afirmou o criminalista José Roberto Batochio em seu discurso pelo aniversário de 173 anos do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), na última quarta-feira (28/9).


Para Batochio, o desrespeito percebido atualmente é diferente daqueles cometidos por regimes absolutistas ou ditaduras pela sutileza com que ocorre, travestido de legalidade formal.

“Setores do Judiciário [...] se abalançam a legislar contra garantias sob pretexto de interpretar a norma e, o que é pior, contra sua própria essência, tudo para postergar seculares conquistas individuais e garantias inabdicáveis.”

Leia aqui o discurso de José Roberto Batochio:

"Confrades, Senhoras e Senhores.

Constitui truísmo afirmar que o povo que ignora a História se condena a repetir as suas tragédias.

Quando neste austero cenáculo de tantas glórias, presentes e pretéritas, nos reunimos para assinalar a passagem de mais um ano da fundação do nosso vetusto Instituto dos Advogados Brasileiros, não o fazemos apenas pelo inspirador e estimulante propósito de revisitar sua heroica saga de lutas pela legalidade, pela igualdade e pela justiça, tracejada ao longo dos 173 anos hoje comemorados. Seria tarefa demasiado singela celebrar a trajetória libertária na qual o IAB se plasmou e evoluiu para forjar a consolidação não apenas de ideias e valores trazidos de além-mar, mas a implantação de um jovem país que apenas 21 anos antes nascera nos Trópicos para representar com soberania, altivez e esperança a ideia renovadora do Novo Mundo.

O Brasil arquitetado pela audácia política, pela sabedoria e pela cultura universal do Patriarca-fundador José Bonifácio de Andrada e Silva carecia de instituições fortes e modernizadoras que lhe conferissem o lastro do prenunciado destino de grande potência. Já em 1828 surgira nosso coirmão Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro com a missão de escrever a História do Brasil com base em uma formação social complexa que evidenciaria o forte protagonismo dos europeus sem descurar da justa exaltação dos indígenas e africanos, como o faria de forma magistral e definitiva no século XX o grande Gilberto Freire em sua monumental obra Casa Grande & Senzala.

O IAB foi o filho dileto da instituição dos cursos jurídicos em São Paulo e Olinda, fundados em 1827 para formar quadros do novo Estado Nacional. Até então a intelectualidade patrícia formava-se em Coimbra, conjuntura sócio cultural de que é testemunho eloquente a figura extraordinária de nosso primeiro presidente, Francisco Gomes Brandão, que lá travara a luta pela Independência e que, por nativismo, adotaria o nome de Francisco Gê Acaiaba de Montezuma.

Ali ficara gravado em nossa história o signo do interesse nacional a orientar os advogados e juristas brasileiros. Desde muito cedo, pois, estivemos atentos à observação de Frei Vicente do Salvador, que em sua História do Brasil de 1627, criticava o colonizador por ignorar as terras do Brasil profundo e contentar-se “de as andar arranhando ao longo do mar como caranguejos.”

Essa gênese há de ser necessariamente e sempre invocada como alicerce do presente e inspiração do futuro; mais que nunca nestes dias, em que as circunstâncias do presente parecem relegar ao oblívio o glorioso passado de conquistas que, mais do que qualquer outra categoria de operadores do Direito, empreendemos nessas 17 décadas. Direitos fundamentais e prerrogativas básicas da cidadania que reivindicamos e conquistamos quando ainda éramos um Império e ampliamos na República estão sendo desrespeitadas. Não à moda dos regimes absolutistas escancarados nem dos sistemas políticos ditatoriais que, sem rebuços, sequestram as liberdades, mas operadas sutilmente, sob aparência de legalidade formal e a partir de nichos burocráticos obscurantistas encrustados na estrutura do Estado.

Eis o pior de todos os autoritarismos, aquele que veste a toga para, se afastando do normativo positivado que encerra a axiologia e a vontade geral da Nação — e por cuja observância deveria velar —, se entrega ao arbítrio e à volúpia punitiva que empolga avassaladoramente a descomprometida paixão das ruas. Setores do Judiciário, fração da soberania do Estado, um dos três e independentes pontos de apoio em que se assenta a edificação democrática e autonomista desenhada por Charles-Louis de Sécondat, o Barão de La Brède e de Montesquieu, se abalançam a “legislar” contra garantias sob pretexto de interpretar a norma e, o que é pior, contra sua própria essência, tudo para postergar seculares conquistas individuais e garantias inabdicáveis. Anátema!

Observa-se um, digamos assim, empoderamento desses redutos autoritários (do Executivo e do próprio Judiciário), seja pela inércia ou omissão legislativa do Congresso Nacional, seja pelo crescimento e pela urgência das demandas geradas pela intensa velocidade da dinâmica social, a reclamar prontas respostas.

A atividade criadora do juiz em face de lacunas de anomia estaria assim justificada, tal como reconheceu o próprio Hans Kelsen que ressalva, no entanto, a necessidade do controle legislativo permanente e legitimador para essa atividade anômala que extravasa da missão exegética típica.

Nada mais necessário. É notória a inocultável inclinação à indevassável opacidade interna dos órgãos da jurisdição e da instituição que os enfeixa, bem como sua declarada aversão aos mecanismos de controle popular, fator que, em última análise, confere legitimação a todo poder. Ancorados na crença da legitimidade plena, teoricamente decorrente da meritocracia aferida nos processos de recrutamento vertical, tendem ao hermetismo e à invisibilidade funcional, como anota Weber. Mais que isso, têm resvalado para um viés autocrático, pouco afeto à dialética e marcado pela clausura que impede o acesso e a penetração das carências sociais e reinvindicações que gravitam na órbita dos inferiores estamentos sociais.

Nesse desenho estrutural, parece utopia esperar-se da jurisdição brasileira função — além de moderadora —, ativista — pelo suprimento das deficiências e da inércia dos demais Poderes —, com vistas à reafirmação das garantias pessoais e à realização da esperada justiça distributiva relembrada por Ronald Dworkin.

Ora, a despeito de a Constituição de 1988 haver autorizado, por meio da interpretação política do texto de seu corpo permanente, cobrirem-se os vácuos normativos, ordenar as fricções intrapoderes, conjurar as ilegitimidades e, principalmente, viabilizar direitos, mesmo que trafegando pelo espaço reservado ao Legislativo e à discricionariedade do Executivo, constata-se que tal atividade não se tem exercido a contento.

A pretexto de se desincumbir de tão excepcional competência, que deve ser restritiva e parcimoniosa quando alcança princípios fundamentais e direitos e garantias pessoais, parte do Judiciário — inclusive da Corte Suprema — vem trilhando um crescente e insólito ativismo. Não aquele, desejado por Ruy, que verberava, entre outras coisas, a timidez do então Supremo Tribunal Federal no controle difuso de constitucionalidade (judicial review), mas que, nada obstante e com o passar do tempo, possibilitou a construção pretoriana da doutrina do habeas corpus. O que estamos a ver é um ativismo que, ao lado da crescente judicialização de temas essencialmente políticos, se descola dos princípios e das normas constitucionais para lançar ancoragem em uma pretensiosa autorreferência que não se peja de contrariar a Lex Mater, mesmo quando se trata da supressão de garantias asseguradas em grau de hierarquia máxima, ou seja em cláusulas pétreas.

Nesse sentido deparamos, incrédulos, a involução da doutrina do habeas corpus nos nossos tribunais, cuja restrição se proclama necessária, abertamente, no âmbito do próprio STF. O que diria Ruy se entre nós se encontrasse, não apenas em forma de um imenso legado de ideais e civismo?

Sendo a Constituição da República a referência suprema de todas as coisas e resumo das escolhas axiológicas e políticas feitas pelo povo soberano, através de seus legítimos representantes, como compreender decisões judiciais que arrostam escancaradamente sua essência ao argumento de que “seus preceitos não são o que são, mas aquilo que, nós seus intérpretes, dissermos que sejam”.

Eis algumas delas: conquanto a Carta Magna assegure em seu artigo 5º, inciso LVII, o princípio da presunção do estado de inocência, eis que ninguém poderá ser considerado culpado antes de condenado por sentença passada em julgado, o STF passou a decidir que apenados em segundo grau e com recurso pendente devem iniciar o cumprimento da pena fixada em decisão passível de modificação e mesmo a descoberto de título executório. Isso significa impor prisão a quem se reconhece inocente!

De outro flanco e a despeito da separação, independência e harmonia dos Poderes proclamada no seu artigo 2º, recentemente a Suprema Corte proferiu decisão que alijou do cargo o presidente da Câmara dos Deputados, bem como o afastou do exercício do mandato parlamentar que lhe fora outorgado nas urnas, pelo voto secreto, universal e direto. Assim o exigia a “voz das ruas”...

Não se discute a conduta desse parlamentar, mas o princípio constitucional que remete a questão, nitidamente interna corporis, à esfera disciplinar, consoante regra estabelecida nos artigos 54 e 55 da Carta Magna.

Mais ainda: em outra decisão colegiada, a Corte Constitucional recebeu denúncia oferecida pelo Ministério Público e fez instaurar ação penal contra outro membro da Câmara dos Deputados por manifestação que fizera no exercício do mandato. Novamente, não se criva o mérito do teor desse pronunciamento, aliás preconceituoso, mas se põe em destaque a liberdade de manifestação no Parlamento, nos precisos termos do enunciado do artigo 53 da Carta Política, que define a inviolabilidade formal e material dos membros do Congresso Nacional, sentenciando que são eles “invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Portanto, qualquer que seja a opinião, quaisquer que sejam as palavras, qualquer que seja o voto.

De fato, a independência, a liberdade e a inviolabilidade da função parlamentar, dentro e fora do recinto das Casas Legislativas, sempre receberam nas democracias consolidadas, garantia em nível constitucional. É o que já constava no Bill of Rights: “The freedom of speech or debates or proceeding in parliament ought not to be impeached or questioned in any court or place out of Parliament”.

Nesse mesmo sentido a Constituição Americana de 1797: “The Senator and Representatives... Shall, in all cases, except treason, felony and breach of the peace, be privileged from arrest, during their respective houses, and in going to any returning from the same; and from any speech or debate in either house they shall not be questioned in any other place”

Mais explícita a Constituição Francesa de 1791: “Les représentants de la nation sont inviolables: ils ne pourront être recherchés, accusés, ni jugés en aucun temps pour ce qu‘ils auront dit, écrit ou fait dans l’éxercice de leurs fonctions de représentants” (Art. 7, Section V, Chapitre I Titre III)

Entre nós, a oção axiológica do constituinte foi no sentido de conferir irrestrita proteção jurídica ao livre exercício do mandato parlamentar, assegurando, nesse plexo de prerrogativas, a mais ampla irresponsabilidade jurídica (penal e civil), aos membros do Parlamento, tocante à manifestação de suas opiniões, quaisquer que sejam elas. É o que se lê no artigo 53 da Constituição, com a redação dada pela E.C. nº 35, de 2001.

Como, então, se fazer instaurar ação penal contra congressista por manifestação que produziu – qualquer que seja ela – no ambiente parlamentar?

Prossigamos: como de comum sabença, as hipóteses legais de supressão da liberdade pessoal se acham minuciosamente prescritas e disciplinadas no Texto Fundamental e na legislação processual penal, o que faz delas espécies arquetípicas. Sem que seja necessário recordá-las aos doutos membros deste Sodalício, o chamado “pretorianismo” vem de “legislar” em tema de processo penal – adentrando reserva constitucional do Congresso Nacional – para dar à luz uma imprevista e non scripta espécie de prisão processual. Refiro-me à cognominada e recorrente “condução coercitiva”, que ordenada em investigações secretas conduzidas por juízes, no dealbar do dia arrancam o cidadão do seu tálamo e, suprimindo seu direito de ir e vir, o arrastam a dependências carcerárias, sob ostensiva e humilhante escolta armada, até que, mantendo-se sua surpresa e perplexidade, se lhe colete o depoimento. Não se trata aqui da condução coercitiva legal, versada no artigo 260 da Lei Processual Penal e que autoriza o transporte da pessoa “sob vara” para a prática do ato determinado, na hipótese de desobediência ao primeiro chamamento da autoridade, não. Aqui se cuida de prisão processual de curta duração, modalidade cautelar, sem previsão no ordenamento jurídico e que suprime, sim, a liberdade individual, enfrentando audaciosamente as garantias constitucionais pétreas... Supina inconstitucionalidade à qual têm se mostrado indiferentes os Tribunais Superiores e demais Cortes do Poder Judiciário. A Constituição da República é afrontada às escâncaras, insolentemente violada, e o que se tem ouvido é apenas o silêncio... A justificativa é a de que urge reprimir a criminalidade, de se homenagear o anseio da opinião leiga do combate à impunidade... Mas, a qualquer preço? Ainda que fora do due process of law ? Ou será que o devido processo legal também “não é o que ele é, mas é aquilo que nós, intérpretes da lei, dissermos que ele seja”?

Desse exemplificativo rol de decisões, filhas da “pan judicialização” ou do ativismo judiciário — cuja ratio essendi se assentaria na equidade, na realização de justiça distributiva e nunca na supressão de garantias e direitos fundamentais —, colacionemos mais um, antológico, que diz respeito à independência do Poder Legislativo e às imunidades constitucionais dos membros do Congresso Nacional.

A dicção do artigo 53, parágrafo 2º, da Constituição da República é hialina ao enunciar a garantia de o membro do Congresso Nacional, a partir de sua diplomação, não poder ser preso a não ser na hipótese de flagrante delito por prática de crime definido como inafiançável. Ressalvada a flagrância em comissão de ilícito previamente definido como insuscetível de fiança, pois, inexiste qualquer espécie de prisão processual para o congressista. Clara e translúcida a garantia da imunidade estabelecida em prol da independência do Poder Legislativo.

Pois não é que em passado recente e inequivocamente fora da situação de flagrância e de inafiançabilidade, o próprio STF “decretou a prisão em flagrante” de um Senador da República — em pleno exercício do mandato — que era investigado por delito de obstrução de investigação, conduta esta ocorrida havia algum tempo? E fez expedir mandado de captura do Senador porque decretada sua prisão processual...

Criação pretoriana contra a própria Constituição da República?

E que se dizer de outro decisum da Excelsa Corte que tornou sem efeito a nomeação de um Ministro de Estado pela Presidente da República, ato este de sua lídima e exclusiva competência constitucional...

A jurisdição constitucional, maior das garantias da democracia, não pode sofrer a disfunção da acromegalia que engolfa a funcionalidade dos demais Poderes, legitimados que são, direta e soberanamente, pelo sufrágio do povo, fonte de todo poder. Tampouco lhe cabe um sobrepairante protagonismo em relação aos outros poderes, de sorte a substituir as legítimas escolhas políticas contidas nas normas que decorrem do devido processo legislativo. Muito menos lhe é dado mortificar ou anular franquias estabelecidas pelos preceitos de hierarquia máxima do nosso ordenamento jurídico-constitucional.

A tudo atento, o nosso IAB, através de seu dedicado, incansável e operoso presidente Dr. Técio Lins e Silva, tem feito ouvir a sua autorizada voz em defesa dos valores democráticos e republicanos, vergastando, com a eloquência e com a energia de que somente ele é capaz, os desvios que ameaçam nossas conquistas civilizatórias e, sobretudo, as liberdades que, neste solo, prometemos nós, jamais serão sequestradas, venham as ameaças de onde vierem.

Seu contemporâneo — temos ambos quase meio século de exercício profissional — desfruto do privilégio de sua afável e enriquecedora convivência e, não raro, compartilhamos experiências do foro, agruras do exercício profissional, avivamento dos antigos e sempre novos ideais, percalços da administração das nossas entidades de classe e a angústia causada pelos desvios autoritários das nossas instituições. Por vezes, confesso, também nos sentimos conscientes dos naturais e desgastantes efeitos dessa longa trajetória, dessas batalhas travadas ao longo de muitos lustros e por desencantos — que são de pronto superados – que derivam da situação crescentemente contramajoritária a que estamos condenados, os que nos encontramos nas trincheiras das liberdades pessoais.

Nesses momentos, afiguram-se balsâmicos os remansos contemplados nos versos de Fernando Pessoa:

Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços
E chama-me teu filho.
Eu sou um rei
que voluntariamente abandonei
O meu trono de sonhos e cansaços.
Minha espada, pesada a braços lassos,
Em mão viris e calmas entreguei;
E meu cetro e coroa — eu os deixei
Na antecâmara, feitos em pedaços

Minha cota de malha, tão inútil,
Minhas esporas de um tinir tão fútil,
Deixei-as pela fria escadaria.

Despi a realeza, corpo e alma,
E regressei à noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.

Mas, continuar é preciso e logo retomamos, com todo vigor, o nosso propósito, que enunciamos no glossário da Medicina Legal, de lições tão frequentadas pelos que se dedicam à nossa especialidade: os ideais da Casa de Montezuma, as lutas em favor das liberdades e dos valores republicanos não se pode deixá-los senão em decúbito, quando se deixa a própria vida.

Muito obrigado".
Terça, 27 Setembro 2016 17:38

Você sabia?

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