Hoje falaremos das crianças batizadas em perigo de vida: ingênuas e escravizadas. Ingênuas eram as crianças que nasciam livres e as crianças escravizadas, portanto, não recebiam essa denominação. O conceito de orfandade também era interessante e deve receber um texto à parte. Bem como aqueles que poderiam ser tutores dos ingênuos. A questão das crianças escravizadas órfãs será tratada em outra oportunidade à parte também pelas especificidades dadas pela lei da época. Retomemos ao ponto.
Comecemos pelo levantamento feito:
Total de Batizados: 297
Crianças batizadas: 296
Adultos batizados: 1
Crianças batizadas que nasciam escravizadas: 27
Constam que dos 27 batismos de crianças que nasciam escravizadas, houve dois batizados de 02 meninas (uma delas não informa a idade) em de “perigo de vida”, tendo sido batizadas pelo próprio ‘senhor’ (e mesmo senhor) de suas mães.
- Em 18.03.1833, aos 4 meses, a párvula Manoella, filha natural de Joanna, “escrava de Jozé Vicente Torres”, batizada em casa em perigo de vida por Jozé Vicente Torres, branco e casado.
- Maria, (sem informar a idade), em 1º.09.1833, “filha natural de Roza Crioula, escrava de Jozé Vicente Torres” e batizada em perigo de vida por este.
O caso de Maria é interessante, porque não informa a idade. Deduzimos que seja criança, porque no caso do único registro de adultos batizados escravizados, há a referência `a idade:
- Izabel, “escrava adulta”, em 07.04.1833, “preta da Costa de Sabará com idade que aparenta ter 28 anos”, era “escrava do Tenente Manoel de Medeiros Furtado”. Foram padrinhos Manoel de Goés (preto forro casado) e Clara, “preta escrava de Dona Josefa Rodrigues Chaves”.
Os demais casos de crianças batizadas em perigo de vida se referem às crianças não escravizadas, com os seguintes dados:
Crianças Brancas: 12
Crianças Brancas Expostas (todas meninas): 3
Crianças pardas livres: 7
Crianças negras (pretas) livres: 2
Total: 24 crianças
Somando com as 2 meninas escravizadas e batizadas em perigo de vida, temos um total de 26 crianças, que retrata o índice de mortalidade infantil. Em um total de 296 batizados de crianças, 26 crianças foram batizadas em perigo de vida, correspondendo a uma percentagem de quase 9 %. Um índice de mortalidade infantil altíssimo comparado ao ano de 2023 em que a cada 1000 nascimentos com vida, morrem aproximadamente 12,3. No caso, na antiga cidade da Parahyba, a aproximadamente 100 nascimentos com vidas, morriam cerca de 9 crianças aproximadamente, com base no ano de 1833.
Entre as crianças filhas de pais indígenas ou de uniões interraciais entre pessoas indígenas e pessoas negras não houve registros de que tenham ocorrido batizados em perigo de vida no ano de 1833. As crianças indígenas da nação Potiguara (Baía da Traição), sendo um total de 2 crianças “cafuzas”, todas livres (itens 8 e 9). Observe-se ainda que a maioria das crianças indígenas eram filhas legítimas, porque os pais eram casados, com raras exceções como os párvulos dos itens 5, 6 e 7:
- Antônio, aos 04 “mezes”, batizado em 29.04.1833, filho legítimo de Thomas Lourenço Pereira e Escolástica Maria do Nascimento, ambos “índios de nação”. Foram padrinhos João do Rego Moura e Manoella Josefa da Conceição.
- Fabiano, 70 dias, batizado em 06.04.1833, filho natural da “índia” Rita Maria de Sena, tendo como padrinho Manoel Teixeira da Costa.
- Antônio, 46 dias, data do batizado não anotada, filho natural de Leandra Maria, ambos indígenas. Batizado pelo Padre Antônio Lourenço de Almeida e foram padrinhos Luiz Soares e sua mulher Joaquina Francisca.
- Antonia, batizada aos 03 meses em 07.04.1833, filha natural da “índia” Anna Thereza de Jesus, tendo como padrinhos Ignácio Lopes Monteiro (pardo livre) e Antonia Joaquina da Silva (“crioula livre”)
- Thomás, batizado em 07.04.1833, sem idade apresentada, filho legítimo de João Joze, “preto da África” (“escravo do Padre Joze da Costa”) e da “índia” Catharina Maria da Conceição. Foi padrinho Maximiano bandeira (“crioulo livre”)
- Maria, batizada aos 03 meses, em 14.04.1833, filha legítima de Cosme Rodrigues dos Santos (“índio de nação”) e da “parda livre” Antonia Roza Maria. O padrinho foi Cosme Damião das Chagas (“pardo livre”).
Voltando às crianças batizadas em perigo de vida, trazemos mais 03 casos. Nessas últimas situações, o Padre celebrou o batizado dessas crianças, diferentemente das duas únicas meninas escravizadas que foram batizadas em perigo de vida pelo “senhor de suas mães” (item 1 e 2):
- A criança Antônio, com 1 ano de idade, em 07.07.1833, batizado em perigo de vida pelo Padre Antônio Lourenço, filho natural de Severina de Jesus, “crioula forra”.
- A párvula exposta Maria, branca, batizada solenemente em 11.05.1833, aos 13 dias de nascida, “em caza de Joze Joaquim da Lapa (padrinho) e Senhorinha Angélica da Lapa (filha do mesmo)”
- O párvulo Florêncio, com 1 mês de idade, batizado em 21.04.1833, em perigo de vida, pelo Reverendo José Paulo Monteiro, filho legítimo dos pardos livres Manoel Alves de Barros e Roza de Lima.
Observe-se que no total foram 03 crianças expostas batizadas no ano de 1833, sendo todas meninas e brancas, e o mais interessante, todas em perigo de vida. A Roda dos Expostos na antiga cidade da Parahyba funcionava na Igreja da Misericórdia, do século XVI, tendo sido trazida a Santa Casa da Misericórdia para a Paraíba em 02.07.1602 pelo grande investidor da cidade Duarte Gomes da Silveira. As Santas Casas da Misericórdia inauguram no Brasil o Terceiro Setor, ainda no século XVI.
As Rodas dos Expostos existiram oficialmente no Brasil, até o ano de 1927, conforme o Código de Menor[1] (Decreto nº 17.943-A de 12 de outubro de 1927.) daquele ano em seu artigo 15: “Art. 15. A admissão dos expostos á assistencia se fará por consignação directa, excluido o systema das rodas”.
Laura Berquó
Fontes:
- Livro de Registro de Batizados do ano de 1833 da antiga Paróquia de Nossa Senhora das Neves da antiga cidade da Parahyba (atualmente João Pessoa);
- Decreto nº17.943-A, de 12 de outubro de 1927.
[1] Fonte: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1910-1929/d17943a.htm