O evento foi aberto pelo presidente nacional do IAB, Sydney Sanches, e transmitido pelo canal TVIAB no YouTube. “Ano que vem faremos 180 anos. E isso, por si só, já explica o papel do IAB na trajetória da constituição do Estado brasileiro desde o Império”, disse Sydney Sanches. A moderadora da primeira mesa de debates, a vice-presidente da Comissão de Defesa da Democracia, das Eleições e da Liberdade de Imprensa, Margarida Pressburguer, afirmou: “O bicentenário deveria ser comemorado grandiosamente. Mas, pessoalmente, não vejo um momento adequado para qualquer tipo de comemoração. A Independência do Brasil não foi plena e não atingiu a todos nós”.
Participaram como palestrantes Francisco Carlos Teixeira, que é pós-doutor em História Política e Social pela USP e professor da UFRJ, e Manuel Domingos Neto, doutor em História pela Universidade Paris III e professor da UFF e da UFC. Eles falaram sobre o tema Avanços e retrocessos na formação do Estado brasileiro: da monarquia à ascensão da extrema-direita. Os participantes da mesa fizeram uma reflexão crítica sobre a data, marcada historicamente pelo militarismo, como explicou o historiador Francisco Carlos Teixeira: “Nós temos 200 anos de Independência, bem menos de República, o que para muitos foi um golpe de Estado. Com a derrubada do Império, organizado constitucionalmente em quatro poderes – os três poderes clássicos mais o moderador –, esse poder moderador do imperador decaído não se extinguiu, mas passou a ser exercido pelos militares”.
Eleições – Segundo Francisco Carlos Teixeira, “há passados que custam a passar, e esse passado brasileiro pesa profundamente sobre o presente e quiçá sobre o futuro da Nação”. O professor acrescentou: “Isso nós vemos com o rompimento ou ameaça de rompimento da normalidade constitucional, mesmo depois de 1988 e da Nova República. Esse é um ponto fundamental a que chegamos neste momento, o ineditismo das eleições que temos pela frente. Ineditismo porque não é exatamente uma escolha dentro daquilo que a população considera o mais razoável para a realização dos seus projetos de felicidade política. Esta é uma eleição definitiva e decisiva para a própria República criada pela Constituição de 1988. Não se trata de eleger um presidente, mas sim de construir um país diferente”.
Manuel Domingos Neto fez uma ligação entre o Dia da Independência com a sua própria infância, quando usava chapéu de soldado e espada de madeira para desfilar na escola. “Aprendi a associar a Independência do Brasil a uma estrutura militar, o que me parece abominável hoje. Porque dia da Pátria deve ser dia da sociedade, e essa data foi torpedeada por um processo histórico extremamente duro, no qual a intenção principal do Estado era deter os desprivilegiados, os que não tinham direitos”, disse ele. Isso explica, segundo o professor, “essa falta de respeito ao que deveria ser uma data sagrada, porque houve um desrespeito permanente ao longo de 200 anos a essa sociedade, composta sobretudo por pessoas sem condições de vida, pessoas humilhadas, maltratadas, sem perspectiva. É essa a sociedade que nós temos. E a ela nos acostumamos”.
O presidente da Comissão de Direito Constitucional do IAB, Sérgio Sant’Anna, que é doutor em Ciência Política pela UFF e professor da Ucam, presidiu a mesa e reforçou a importância do papel do IAB para a data: “O bicentenário tem que ser um momento de reflexão crítica. E há 170 anos o Instituto vem tentando desempenhar o papel de despertar essa consciência da sociedade”.
Da esq. para dir., em cima, Vera Lúcia Santana Araújo e Sérgio Sant'Anna; embaixo, Cláudio Pereira de Souza Neto e Carmela Grüne
Desafios – À tarde, a segunda mesa de debates, presidida pela diretora de Comunicação, Carmela Grüne, mestre em Direitos Sociais e Políticas Públicas pela Unisc, que teve como tema A crise do sistema político e os desafios para aperfeiçoar a democracia no Brasil, reuniu os palestrantes Vera Lúcia Santana Araújo, integrante da Executiva Nacional da Associação Brasileira dos Juristas pela Democracia (ABJD) e ativista da Frente de Mulheres Negras do DF e entorno, e Cláudio Pereira de Souza Neto, doutor em Direito pela Uerj e professor da UFF.
“Nós já estamos com o jogo sendo jogado, mas nada aponta para algum debate que coloque em perspectiva a construção histórica do Brasil. Situar essa questão no âmbito desses 200 anos nos obrigada a considerar um aspecto determinante para pensar o que somos no Brasil de hoje: o país que se fez independente em 1822, mas não abriu mão da escravização negra”, Comentou Vera Lúcia Araujo. Segundo ela, “nós, povo brasileiro, não experimentamos ainda a plenitude de uma República democrática. Esse é efetivamente um desafio que está colocado. E não por acaso a gente vive titubeando em termos de solidez de estabilidade da vida democrática”.
Para Cláudio Pereira de Souza, o “momento não é de aperfeiçoar, mas de preservar a democracia no Brasil”. Para ele, as instituições tiveram sucesso na restrição a alguns atos considerados abusivos pelo atual presidente da República. “O próprio Congresso freou várias medidas autoritárias. Portanto, as instituições deram uma contribuição fundamental para a preservação da democracia. Mas agora a preservação do regime democrático está nas mãos do povo”, ponderou.