“Promulgada pela ONU em 1948, três anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, que ficou marcada pela barbárie dos ataques a alvos civis, a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi um grande avanço para a contenção da violência”, afirmou Gizlene Neder. Para a professora, “os crimes contra a humanidade estão longe de ser universalmente aceitos, mas é preciso reconhecer que, desde a aprovação do documento, já se avançou muito, a despeito de ele ter produzido efeitos diminutos”.
Segundo Gizlene Neder, o fortalecimento das posições firmadas em 1948, em defesa da dignidade humana, exige o estímulo à pluralidade, inclusive no ensino jurídico. “Com raras exceções, as faculdades de Direito do País, que nasceram no século XIX, à semelhança da Universidade de Coimbra, ainda reproduzem preceitos dogmáticos impostos pela ditadura militar instalada em 1964, sem buscar alternativas ao pensamento único”.
Revolução do chip – Em seguida, o professor titular de Ciência Política da UFF Gisálio Cerqueira Filho e Sergio Sant’Anna falaram sobre Perspectivas e desafios internacionais dos direitos humanos. “Embora os primeiros direitos humanos reconhecidos tenham sido os direitos trabalhistas, na Inglaterra, há dois séculos, com a Revolução Industrial, o Brasil, ainda hoje, ao contrário de países como o Japão, o Canadá e os EUA, nos quais os direitos humanos estão assentados, está longe de alcançar essa conquista”, disse Gisálio Cerqueira Filho. De acordo com ele, a Revolução Industrial, iniciada com as máquinas a vapor, passou pela fase das máquinas a explosão e hoje está na que ele chamou de “Revolução Industrial do chip”.
Gisálio Cerqueira Filho
O professor, porém, criticou a aplicação no Brasil da nova revolução. “Vivemos num País onde a informatização atingiu um dos níveis mais avançados do mundo, como, por exemplo, no segmento bancário, mas que serve mais ao capital do que aos direitos dos trabalhadores”, afirmou. Sergio Sant’Anna, na sua intervenção, além de ter alertado para a necessidade de se conter “o avanço da extrema-direita”, disse que “a constitucionalização de vários direitos ainda é relativamente recente, o que exige a luta da sociedade para a sua consolidação”.
O último tema discutido no evento foi Perspectivas e desafios dos direitos humanos no Brasil, sobre o qual falaram a defensora pública do Estado do Rio de Janeiro e professora aposentada da UFRJ Élida Seguin e o advogado Jorge Folena, membro da Comissão de Direito Constitucional do IAB. Élida Seguin defendeu que os debates sobre direitos humanos deem ênfase aos direitos dos idosos. “O que mais fazemos na Defensoria está ligado a questões de saúde, especialmente as relacionadas aos idosos”, disse. Segundo a defensora pública, “a Organização Mundial da Saúde expressou preocupação com a discriminação contra idosos, ao tomar conhecimento de uma pesquisa, em que foram ouvidas aproximadamente 83 mil pessoas de 57 países, que revelou que 60% das pessoas consideram que os idosos são desrespeitados”, informou.
Élida Seguin
Na sua exposição, Jorge Folena propôs uma “insurgência salutar” para garantir o cumprimento dos direitos humanos no País. “Nós precisamos superar essa visão subserviente de colonizado, para nos livrar da opressão que nos impede de usufruir dos nossos direitos”, conclamou. Folena criticou a distorção relativa à aplicação do direito nesse embate. “O direito é visto, infelizmente, como um instrumento que deve ser usado para a repressão a garantias constitucionais, quando, na verdade, deveria ser empregado para preservá-las”, afirmou o advogado, para quem “direitos humanos incluem os direitos ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório”.
Jorge Folena
Homenagem – O evento foi encerrado com uma homenagem póstuma ao ex-presidente do IAB e ex-secretário nacional de Direitos Humanos João Luiz Duboc Pinaud, agraciado com a Medalha Luiz Gama. A comenda, destinada aos que lutam pelo estado democrático de direito, foi recebida pela historiadora Kátia da Matta Pinheiro, viúva do jurista que presidiu o IAB no biênio 1998/2000 e morreu, em abril último, aos 87 anos. Estavam presentes na homenagem o neto João Lucas Pinaud e a sobrinha Maria Inês Pinaud.
“Ele era uma explosão de humanidade, não reconhecendo ninguém como superior ou inferior a ele, o que é uma prova de que o igualitarismo é possível”, disse Kátia da Matta Pinheiro. “Foi uma figura fantástica, como professor, promotor, magistrado e advogado”, afirmou Sergio Sant’Anna. “Um homem intenso, que fazia pronunciamentos que seduziam a plateia com a sua cultura e a fundamentação jurídica dos seus argumentos”, acrescentou Kátia Tavares.
Da esq. para a dir., Kátia da Matta Pinheiro, Kátia Tavares e Sergio Sant'Anna
Diretor do Centro de Documentação e Pesquisa da OAB/RJ, Aderson Bussinger disse: “Tive a honra e o privilégio de ter sido aluno de Pinaud e tido com ele lições de direito, filosofia e democracia”. Para Valmíria Guida, secretária-geral da Casa da América Latina, instituição que foi presidida por Pinaud, “as suas duas grandes qualidades foram a generosidade e o internacionalismo na análise dos temas”. A ex-vice-presidente do IAB Moema Baptista concluiu: “Foi um ser humano imprescindível”.
Aderson Bussinger
Moema Baptista
Sergio Sant’Anna critica ‘avanço da extrema-direita’ em evento sobre direitos humanos
“O avanço da extrema-direita no Brasil e no mundo é uma ameaça grave aos direitos humanos, que sofrem uma interpretação depreciativa, decorrente de uma visão distorcida fomentada pela mídia, que precisa ser contida, principalmente, por ações das organizações internacionais que lutam pela preservação da dignidade humana.” A afirmação foi feita pelo presidente da Comissão de Direito Constitucional do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Sergio Sant’Anna, no evento intitulado Os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, realizado nesta terça-feira (11/12), no plenário do IAB, e aberto pela diretora-adjunta Kátia Tavares, que representou a presidente nacional, Rita Cortez. A conferência inaugural foi feita pela professora titular de Teoria da História da Universidade Federal Fluminense (UFF) Gizlene Neder, que falou sobre O contexto histórico e a importância da Declaração Universal dos Direitos Humanos.