O evento foi conduzido pelo 1º vice-presidente do IAB, Carlos Eduardo Machado, e teve a participação da vereadora do Rio de Janeiro Luciana Boiteux, dos membros da Comissão de Criminologia do IAB Gabriel Ignacio Anitua e Ellen Rodrigues e das 1ª vice-presidente e secretária-geral da mesma comissão, Roberta Duboc Pedrinha e June Cirino dos Santos, respectivamente. A diretora de Biblioteca do Instituto, Marcia Dinis, que mediou o debate, afirmou que a obra torna a discussão sobre a Criminologia mais compreensível e deve ser lida por todos, mesmo os que não são estudiosos do Direito.
Ricardo Genelhú
Na peça, a prisão é condenada ao inferno em razão dos crimes que cometeu. Ela tenta convencer os demais personagens de que a pena não deve ser aplicada. “A obra é muito interessante, não só pela abordagem teatral, mas principalmente por ser absolutamente atraente aos leigos. Através dos personagens, Ricardo coloca didaticamente em debate as mazelas do sistema punitivo”, disse Dinis. O autor garante que o livro não é delicado no trato do assunto: “Ele não foi escrito com o objetivo de ser elegante. Minha intenção beirou a falta de educação e a grosseria literária, sobretudo com aqueles que defendem direta ou indiretamente as prisões. Precisamos ser mais combativos com o sistema penal”.
Para Luciana Boiteux, a obra é uma ferramenta para avançar no debate sobre o campo penal. “O teatro pode entrar em um lugar de crítica e sair dessa lógica formalista do Direito, que, além de careta, serve para a manutenção do próprio sistema. Ter uma análise lúdica, como Ricardo propõe, talvez seja a grande saída que temos para investir na formação dos futuros juristas”, afirmou a vereadora. No mesmo sentido, Carlos Eduardo Machado destacou que as pessoas permanecem, erroneamente, encarando as prisões como um método de prevenção de desvios de conduta: “Espero que a obra, que tem outra linguagem, ajude a levar para a população o que a racionalidade já demonstrou: a inutilidade e a violência que é a pena de prisão”.
Ellen Rodrigues
A literatura, ressaltou Ellen Rodrigues, é um importante mecanismo para a leitura da realidade. “Há obras que traduzem enunciados e questões atemporais e universais, alcançando os recônditos da alma humana. É deste lugar que desponta o livro de Genelhú, que dialoga com trabalhos anteriores do autor, cujo estilo é irreverente”, afirmou. Na visão de June Cirino, a literatura ainda é capaz de atingir outro campo: a empatia. “Se não fosse a arte, não teríamos formas tão viscerais e próximas de aprendermos sobre esses problemas, porque não podemos estar presentes na vida das pessoas o tempo todo”. Para a advogada, a arte imita a vida, já que, assim como no livro, na sociedade a prisão também é protagonista, na medida em que o mecanismo de exclusão parece incontornável para muitos.
Da esq. para a dir., Gabriel Ignacio Anitua, June Cirino e Luciana Boiteux
Outro personagem, o criminólogo abolicionista, foi lembrado por Roberta Pedrinha como o símbolo do debate consciente sobre o fator criminógeno do sistema penal. “Há uma fertilização da criminalidade dentro da prisão”, disse a advogada. Ela também destacou que a obra é importante para valorizar “o outro como contraponto a essa política de encarceramento e para enfraquecer o protagonismo da prisão na nossa sociedade”. Na opinião de Gabriel Ignacio Anitua, todos os personagens trazem uma grande reflexão: “A obra nos faz desnaturalizar, já que o castigo com a prisão parece muito natural. Ela nos faz pensar de forma crítica, no sentido de averiguar a verdade, mas também no sentido marxista, de transformar a realidade”.
Americanização dos processos – O professor argentino também apresentou durante o evento o artigo A importação de mecanismos consensuais do processo estadunidense nas reformas processuais latino-americanas, que demonstra como o Sul Global tem aderido a um sistema cada vez mais punitivista. De acordo com Gabriel Ignacio Anitua, “a política criminal está obcecada com o castigo”, e a americanização dos processos criminais ao redor do mundo promove o aumento do uso de mecanismos que facilitam esse cenário. Um deles é o guilty pleas, o oferecimento de redução de pena em favor da confissão de culpa.
Essas estratégias, segundo o docente de Direito Penal e Criminologia da UBA/UNPaz, são formas de alcançar um modelo de eficiência que promova agilidade e baixo custo em um grande número de condenações. “A necessidade de ‘simplificar’ o processo penal assenta no fato deste não conseguir responder, pelo menos não em tempo útil, ao número de processos que precisam ser tratados em modelos de punitividade demagógica”, explicou.
Os países que fizeram transição para a democracia, defende o artigo, importam esses mecanismos que se mostram, na verdade, como violadores dos direitos humanos. “As reformas prometiam uma justiça oral, pública e transparente, mas o procedimento abreviado em muitos aspectos é o oposto disso”, disse Anitua.