Uma comissão de juristas, formada em 2013 e coordenada pelo ministro João Otávio de Noronha, hoje presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), redigiu o anteprojeto do novo Código Comercial, apresentado pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL) na forma do PLS 487/2013. São 987 artigos que trazem mudanças nas relações entre empresários e na organização das sociedades empresárias nas áreas de direito societário, contratual, cambial e comercial marítimo. O texto do projeto foi analisado por uma comissão temporária composta por 11 senadores que, durante um ano, promoveu 19 reuniões e 15 audiências públicas com mais de 60 especialistas, até aprovar, em dezembro de 2018, o relatório final do senador Pedro Chaves (PRB-MS).
Os pareceres da Comissão de Direito Empresarial do IAB foram produzidos pelos seguintes advogados: Érica Guerra, Gustavo Flausino Coelho, Gustavo Fuscaldo Couri, Gustavo Licks, Joaquim de Paiva Muniz, Jeanne da Silva Machado, João C. de Andrade U. Acioly, José Gabriel Assis de Almeida, Luis Felipe Galante, Paula Alonso Koatz, Pedro Freitas Teixeira, Renato Ferreira, Tarsis Nametala e Verônica Lagassi.
De acordo com João Manoel de Lima Junior, “os pareceres foram elaborados com a perspectiva de contribuir para o aprimoramento do projeto, atualmente em tramitação, apesar das várias críticas que podem ser feitas quanto à viabilidade ou à necessidade de introdução de um Novo Código Comercial no Brasil”.
Direito Marítimo – O advogado Luis Felipe Galante foi designado para redigir parecer a respeito das propostas voltadas para o Direito Comercial Marítimo. “Não existe nenhum campo do Direito brasileiro com maior necessidade de modernização do que o marítimo”, afirmou. De acordo com ele, “o texto final do Livro de Comércio Marítimo contempla todos os pontos imprescindíveis ao bom funcionamento do Direito Marítimo nacional e empresta segurança jurídica a um segmento pujante da nossa economia, que é o transporte marítimo”.
O relator, que preside a Associação Brasileira de Direito Marítimo (ABDM), informou que a entidade apresentou várias propostas acolhidas pela comissão de juristas responsável pela redação do anteprojeto que originou o PLS. Em seu parecer, Luis Felipe Galante destacou, também, a decisão do senador Pedro Chaves de reinserir no relatório final o capítulo destinado à regulação do seguro marítimo, que havia sido suprimido na tramitação do projeto.
Direito comercial – Autor do parecer sobre a parte do PLS referente ao direito comercial, que hoje está recepcionado por normas do Código Civil, o relator João C. de Andrade Uzêda Accioly considera que “um único código para reger o direito patrimonial privado garante maior segurança jurídica”. Segundo o relator, a parte por ele analisada “tem boas propostas, trazendo modificações salutares à legislação, cabendo apenas algumas alterações, no sentido de fortalecer a busca dos objetivos que o texto pretende alcançar”. Ele propôs modificações “na forma e no teor” de 12 artigos do PLS.
João Uzêda Accioly sugeriu, por exemplo, alteração no art. 28, segundo o qual, “na solução judicial ou arbitral de conflitos de interesses surgidos no contexto do agronegócio, deve ser observada e protegida a finalidade econômica desta rede de negócios, ainda que em detrimento dos interesses individuais das partes que nela operam”. Ele sugeriu que, ao invés de “em detrimento”, o texto seja “assegurados os direitos individuais das partes que nela operam”. Segundo o advogado, a modificação visa a “seguir a proposta geral do código, de tomar a economia eficiente e atrativa para investimentos, o que se dá pelo respeito aos direitos individuais”.
Bens – Os advogados Paula Alonso Koatz, Joaquim de Paiva Muniz e José Gabriel Assis de Almeida elaboraram parecer a respeito dos pontos concernentes aos bens e à atividade do empresário. Segundo eles, o PLS traz algumas mudanças importantes relativas à organização da atividade empresarial e ao registro público de empresas. Ao mesmo tempo, na opinião dos relatores, a proposta deixou de abordar várias questões atinentes ao estabelecimento virtual, já que, conforme explicaram, “no cenário atual, uma gama enorme de transações ocorre em ambiente virtual”. Os relatores propuseram alterações em 10 artigos, entre os quais o art. 94.
Eles sugeriram a exclusão do parágrafo único do dispositivo, segundo o qual “o empresário que se utilizar de ambiente eletrônico em sua atividade deve adotar medidas mínimas de segurança das informações trocadas nas transações comerciais, atualizando-as periodicamente, com base na evolução da tecnologia e na experiência adquirida”. Para os advogados, a questão já está abrangida pela Lei 13.709/2018, de 14 de agosto de 2018, que ficou conhecida como pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). “Muito mais do que as medidas mínimas propostas no PLS, a LGPD exige um amplo conjunto de medidas de segurança das informações”, afirmou Paula Alonso Koatz, na sustentação do parecer.
Juízo especializado – Os três advogados também são os autores do parecer sobre jurisdição especializada do processo empresarial. Segundo eles, “a criação de juízos especializados apresenta-se como uma tendência na estrutura do Poder Judiciário brasileiro, como se vê em iniciativas da justiça estadual dos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, com resultados positivos”. Contudo, os advogados demonstraram preocupação com a possibilidade de que somente a previsão de adoção da norma não surta maiores efeitos práticos.
De acordo com eles, embora muitas justiças estaduais já adotem o critério do juízo especializado, outras provavelmente irão demorar a aplicar a medida, “não obstante a existência de recomendação legal”. Para dar efetividade à norma, eles propuseram no parecer que a redação do texto seja alterada para tornar obrigatória a criação dos juízos especializados em direito comercial e empresarial.
Eles defenderam, também, a aplicação da arbitragem nos processos empresariais. Conforme o parecer, “considerando que a arbitragem geralmente versa sobre matéria de direito societário ou empresarial, e levando-se em conta a recomendação do Conselho Nacional de Justiça de que pelo menos as comarcas de capital tenham juízos especializados em arbitragem, recomenda-se que os juízos de direito comercial e empresarial também abarquem matérias afeitas à arbitragem”.
Autonomia – A parte do PLS que trata “da pessoa do empresário” recebeu parecer dos relatores Pedro Freitas Teixeira, Tarsis Nametala e Gustavo Licks. Para eles, o texto em tramitação no Senado “é constitucional, tem uma linguagem clara e concisa para o operador do direito, além de trazer autonomia ao Direito Empresarial”. De acordo com o parecer, que apresenta algumas ressalvas e sugestões, além de conferir autonomia ao Direito Empresarial, o projeto deixa para o Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), respectivamente, a missão de regulamentar as relações entre os particulares; o consumidor e empresário; e empregatícias.
Conforme os relatores, diferentemente da atual abordagem no Código Civil, de 2002, o PLS conceitua em capítulos separados a atividade empresarial e a pessoa do empresário, que poderá postular o instituto da recuperação judicial.
Sociedades – Aos cuidados dos advogados Gustavo Flausino Coelho e Renato Ferreira dos Santos ficou a parte do PLS que trata das sociedades. Eles destacaram várias “inovações positivas trazidas pelo projeto”, como, por exemplo, a extinção das sociedades simples e em comandita (aquela em que o sócio só é responsável até o limite do capital que empregou). Os relatores elogiaram, ainda, a criação da sociedade de profissão intelectual, o tratamento mais apurado quanto às sociedades sem registro e a possibilidade de sociedade entre cônjuges, independentemente do regime de bens.
Dentre as proposições que consideraram negativas, os advogados destacaram no parecer “a manutenção da sociedade em nome coletivo”. Segundo eles, “por não resguardar os sócios com o instituto da responsabilidade limitada, esse tipo societário é pouco utilizado na prática de mercado, não havendo motivo plausível para sua manutenção no texto do projeto”.
Empresários – Autora do parecer a respeito “das obrigações dos empresários”, a advogada Verônica Lagassi tem a opinião de que “o projeto traz mais prejuízos do que benefícios, a partir de uma maior interferência do Estado nas relações econômicas, e por despertar a insegurança jurídica decorrente do tempo que nossos tribunais levam para consolidar uma dada jurisprudência”. Ela, porém, ressaltou que alterações podem “tomá-lo amplamente harmônico com as demais normas existentes no ordenamento jurídico pátrio e com o ideal constitucional de desenvolvimento econômico sustentável”.
Verônica Lagassi classificou como positiva a proposta de consolidação, no novo Código Civil, de todas as leis esparsas relativas a créditos. A advogada opinou por modificações em 16 artigos e pela exclusão de dois artigos, sendo um deles o art. 375. Segundo o dispositivo, “nenhum empresário tem direito à revisão do contrato empresarial sob a alegação de não ter conferido as informações sobre o objeto prestadas pelo outro contratante durante as tratativas, salvo se a conferência não poderia ter sido feita em razão de segredo de empresa e for falsa a informação prestada”. De acordo com Verônica Lagassi, “a sugestão de exclusão desse artigo visa a evitar dubiedades”.
Agronegócio – Para o advogado Gustavo Flausino Coelho, responsável pelo parecer sobre a parte destinada ao agronegócio, “a proposta legislativa pouco avança quanto à disciplina do direito do agronegócio”. O relator, porém, ressaltou que “a inexistência de um diploma único que centralize as disposições legais sobre o agronegócio justifica a importância histórica do projeto de um novo Código Comercial”. Ao mesmo tempo, Gustavo Flausino Coelho ressaltou que “não se pode ignorar os avanços legislativos e jurisprudenciais implementados no direito do agronegócio no Brasil, nas últimas décadas”.
O relator defendeu a reinserção, com alteração na redação por ele proposta, dos artigos 617 e 618, que constavam do texto original do PLS e foram suprimidos no texto do último substitutivo aprovado pela comissão especial do Senado Federal. O art. 617 trata dos riscos inerentes às atividades do agronegócio; enquanto o 618 abrange a validade de cláusula que adota moeda estrangeira como referência de preço. O advogado disse que a redação por ele sugerida “está alinhada com o entendimento jurisprudencial atual do STJ”.
Falência e recuperação – A advogada Érica Guerra, responsável pelo parecer sobre a parte concernente à falência e à recuperação jurídica transnacionais, afirmou: “O PLS 487/2013 objetiva tornar o processo de recuperação judicial e falência mais econômico e célere, ratificando a ideologia do novo sistema de recuperação de empresas, em que se enfatiza a relevância da participação do credor em dizer se a continuidade da empresa é importante para o mercado em que está inserido”.
Segundo a advogada, o projeto “visa a introduzir no ordenamento jurídico brasileiro a lei modelo da Uncitral (United Nations Commission on International Trade Law) e disciplinar a cooperação entre os juízos brasileiros e estrangeiros no processo de falência das transnacionais”. Em sua opinião, “os juízos brasileiros devem cooperar diretamente com os juízos falimentares estrangeiros, na forma do Código e da lei, quando a crise da empresa tiver repercussão transnacional”.
Para garantir a cooperação, Érica Guerra propôs a inclusão no PLS dos princípios aplicáveis à falência transnacional. A inserção, segundo ela, propiciará que sejam alcançados os seguintes objetivos: aumentar a segurança jurídica na exploração de empresas e na realização de investimentos no Brasil; imprimir eficiência na tramitação dos processos de falência e recuperação judicial transnacionais; garantir a justa proteção dos direitos dos credores e do devedor; promover a maximização do valor dos bens do devedor; e facilitar a recuperação da empresa em crise.
De acordo com a relatora, “a falência de sociedades empresárias transnacionais já está consolidada em mais de 40 países, como, por exemplo, no direito norte-americano e na União Europeia, enquanto no Brasil o Poder Judiciário usa, por analogia, leis de outros países para resolver os processos das empresas transnacionais em crise”.
Fatos jurídicos – A advogada Jeanne da Silva Machado analisou o livro do PLS referente aos “fatos jurídicos empresariais”. Ela refutou o proposto no art. 138, que prevê: “A declaração da nulidade ou a decretação da anulação do negócio jurídico empresarial não gera efeitos retroativos”. Para a relatora, o impedimento da retroatividade “poderá trazer insegurança jurídica”.
Ainda de acordo com ela, “os artigos que tratam de prescrição, como 149 e outros, podem conflitar com outras leis especiais, como a Lei de S.A., a qual é aplicada subsidiariamente à legislação comercial”. Segundo Jeanne da Silva Machado, “na Lei de S.A. os prazos de decadência são raros e estão relacionados com a vontade dos acionistas”.
Disposições finais – Gustavo Fuscaldo Couri fez uma análise do alcance do novo código, considerando as disposições finais e transitórias previstas no PLS. O advogado sugeriu modificação na redação do art. 964, segundo o qual o código “não altera as obrigações legais do empresário, da sociedade e dos seus sócios ou acionistas”. Ele propôs a inclusão dos administradores no dispositivo. O relator se posicionou favoravelmente às revogações de diversas leis esparsas ainda vigentes sobre temas de direito empresarial.
Gustavo Fuscaldo Couri sugeriu, ainda, alteração no art. 987, que estabelece a entrada em vigor do novo Código Comercial seis meses após a sua publicação oficial. Ele defende a ampliação do prazo para um ano. “O diploma legal gerará considerável impacto nas relações por ele reguladas, sendo oportuno se estabelecer um prazo razoável para que todos possam se adequar às novas disposições”, explicou.
OS MEMBROS DO IAB ATUAM EM DEFESA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. FILIE-SE!