O webinar foi aberto pela presidente nacional do IAB, Rita Cortez. “Faço aqui homenagens aos saudosos membros do IAB Paulo Bonavides, um dos maiores constitucionalistas do País, que nos deixou recentemente, e Ada Pellegrini Grinover, que foi uma das nossas maiores processualistas e contribuiu para a elaboração do CDC”, destacou a presidente. Vários temas relacionados a aspectos abrangidos pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), instituído pela Lei Nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, foram debatidos em 10 painéis.
‘Avalanche de processos’ – O painel sobre ‘Conselho Nacional de Defesa do Consumidor’ foi presidido pelo membro honorário do IAB e desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) Marcelo Lima Buhatem, que também é presidente da Associação Nacional de Desembargadores (Andes). “Se houvesse maior respeito aos direitos do consumidor, não teríamos essa avalanche de processos que sobrecarrega o Poder Judiciário”, afirmou o magistrado.
De acordo com Marcelo Lima Buhatem, a situação coloca em risco o funcionamento da prestação jurisdicional. “Essa litigiosidade pode quebrar o sistema, pois os orçamentos dos tribunais são finitos, enquanto a demanda é progressivamente crescente”, alertou. A palestra foi feita pelo professor da PUC-SP Ricardo Morishita Wada, que chamou a atenção para os grandes esforços, inclusive financeiros, voltados para milhares de demandas de baixo valor. “Não tem sentido se gastar R$ 4 mil com a máquina num processo que envolva uma demanda de R$ 150”, criticou.
Ele manifestou apoio à ideia de garantir ao juiz, como forma de conter o crescimento das ações repetitivas, a prerrogativa de punir empresas que reiteradamente desrespeitam os direitos dos seus consumidores. Ricardo Morishita Wada defendeu ainda o fortalecimento do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, criado para subsidiar a condução da Política Nacional de Defesa do Consumidor.
Proteção de dados – No painel sobre ‘Telecomunicações, proteção de dados e o direito do consumidor’, presidido por Lindojon Gerônimo Bezerra dos Santos, membro do IAB, o professor Jorge Morais Carvalho, da Nova Law School (Portugal) falou sobre o tratamento dessas questões no âmbito da União Europeia (UE). “No ano passado, foi aprovada a Diretiva 2019/760, que regula o tratamento dos conteúdos e dos serviços digitais”, informou. O acadêmico português disse ainda que, em seu país, “há juristas que tratam da proteção de dados e dos direitos do consumidor, temas que, naturalmente, se relacionam”.
Também fez palestra o advogado Claudio Joel Lóssio, inscrito na OAB/CE. Ele citou a importância do art. 43 do CDC, segundo o qual “o consumidor terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes”.
De acordo com o advogado, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) irá fortalecer ainda mais o consumidor, principalmente com a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, responsável pela fiscalização do tratamento dispensado por empresas privadas e públicas aos dados pessoais dos cidadãos”. Segundo ele, “para uma empresa, pior do que a multa por erro no tratamento de dados de clientes, pode ser o risco de perda da sua reputação”.
Reequilíbrio da relação jurídica – O defensor público Felippe Borring Rocha, membro do IAB, participou do painel ‘Inversão do ônus da prova’, conduzido pela advogada Margareth Maciel de Almeida Santos, que também integra os quadros da Casa de Montezuma. “A inversão do ônus da prova visa a reequilibrar a relação jurídica processual, reconhecendo que o consumidor é a parte mais fraca da relação comercial”, afirmou o defensor.
Sobre o tema também falou o professor de Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da UFRGS Klaus Cohen Koplin, que mencionou o Código de Processo Civil (CPC). Ele ressaltou que a inversão do ônus da prova, na prática, mesmo com sutis diferenças nas duas legislações, está prevista tanto no CPC (art. 373), editado em 2015, quanto no CDC (art. 6º), em vigor há 30 anos. “Contudo, o STJ tem ressaltado que a inversão não é automática, cabendo decisão do juiz nesse sentido”, disse.
Mediação e arbitragem – O advogado e professor da UFMG Christian Sahb Batista Lopes participou do painel sobre ‘Mediação e arbitragem’, conduzido pela advogada Beatriz Dottori Gaspar, membro da Comissão de Direito do Consumidor. “São os dois métodos extrajudiciais de solução de controvérsias mais conhecidos, mas a arbitragem é um procedimento adversarial entre as partes, enquanto a mediação é um meio de autocomposição, para que as partes cheguem a um acordo”, explicou.
Segundo Christian Sahb Batista Lopes, há uma corrente jurídica segundo a qual a arbitragem seria inadequada para resolver casos de relação de consumo. Ele, porém, informou que “o entendimento do STJ tem sido o de que a arbitragem é aplicável para resolver litígios decorrentes da relação de consumo, desde que não haja imposição do fornecedor, mas que a iniciativa de recorrer a ela seja do consumidor”.
Proteção ao idoso – Responsável por presidir o painel sobre ‘Proteção ao consumidor idoso’, o diretor e membro do IAB Antônio Laért Vieira Júnior abriu os trabalhos citando o art. 230 da Constituição Federal e o art. 8º do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003). De acordo com o primeiro dispositivo, “a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”. Conforme o segundo, “o envelhecimento é um direito personalíssimo e a sua proteção um direito social”. Para Antônio Laért, “é preciso dar efetividade às duas legislações”.
Ao palestrar sobre o tema, o advogado e membro do IAB Gustavo Oliveira Chalfun destacou o crescimento do número de pessoas na terceira idade no País. “A pirâmide censitária caminha para um aumento da população idosa, que, em 2018, somava 28 milhões de brasileiros e, hoje, chegou a 32 milhões”, informou. De acordo com ele, “é preciso garantir a essas pessoas condições para enfrentar as vicissitudes do envelhecimento”.
Tempos de pandemia – Membros da Comissão de Direito Consumidor, os advogados Marcelo Junqueira Calixto e Fabrício Germano Alves foram os palestrantes no painel sobre ‘Direitos do Consumidor em tempos de pandemia’, presidido por Walter Faiad Moura, que também integra a comissão. Como exemplo de uma situação de desamparo do consumidor na pandemia, Marcelo Junqueira Calixto comentou o conflito entre a Medida Provisória 925, de 18 de março de 2020, e o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), editado dois dias depois.
A MP determinou que as companhias de aviação civil teriam um prazo de até um ano para devolver aos consumidores o valor das viagens com voos programados para até 31 de dezembro de 2020 e cancelados por causa da Covid-19. O TAC estabeleceu reembolso para viagens marcadas apenas para até 30 de junho. “As empresas se apegaram ao TAC e ignoraram a MP, em detrimento do consumidor”, disse o palestrante.
Fabrício Germano Alves disse que os principais direitos do consumidor desrespeitados na pandemia são os relacionados com a saúde e a vida. “Poucos fornecedores, como comerciantes, recebem os consumidores em suas lojas tomando as medidas exigidas, como higienização, distanciamento e uso obrigatório de máscara”, criticou.
Economia compartilhada – Para falar sobre ‘Danos causados aos consumidores na economia compartilhada’, foram convidadas as professores Heloisa Carpena Viera de Mello, da PUC-Rio, e Rachel Sztajn, da USP. A mediação coube a Fabio de Oliveira Azevedo, membro do IAB. “Na economia compartilhada, o foco não é mais na posse, mas no acesso aos bens e serviços, por meio de parcerias e uso de tecnologias avançadas”, explicou Heloisa Carpena Viera de Mello.
A acadêmica exemplificou: “Ao invés de possuir um carro, o consumidor opta por usar o aplicativo Uber para se locomover”. Segundo ela, em uma situação de dano ao consumidor gerado pela plataforma, esta deve responder solidariamente, pois, nesse caso, tanto o passageiro quanto o motorista são consumidores. Rachel Sztajn, por sua vez, defendeu que a legislação de consumo seja atualizada. “É preciso adequá-la aos novos mercados, pois, do contrário, por conta dessa responsabilização, ocorrerá um recuo na oferta dos serviços das plataformas, que vieram para ficar”, alertou.
Contratos eletrônicos – Sob a mediação da advogada Maria Fernanda Dias Mergulhão, membro da Comissão de Direito do Consumidor, o promotor de Justiça do RJ Guilherme Magalhães Martins, membro honorário do IAB, e o professor da UFRGS Fabiano Menke trataram do tema ‘Contratos eletrônicos’. “A grande discussão, hoje, é sobre os melhores mecanismos para dar garantias aos contratos eletrônicos, que se ampliaram significativamente com o isolamento social na pandemia”, disse Fabiano Menke.
Guilherme Magalhães Martins apontou falhas no art. 42 da LGPD, segundo o qual o responsável pelo tratamento de dados pessoais que causar dano a terceiros será obrigado a repará-lo. “O dispositivo não fala, em momento algum, em culpa e responsabilização”, criticou o promotor, para quem “as vítimas não podem ficar desprotegidas”.
Ações coletivas – Também membro da comissão, Cláudio Pires Ferreira conduziu os debates no painel a respeito de ‘Ações e efeitos das ações coletivas’, tema sobre o qual falaram o desembargador do TJRJ Nagib Slaibi Filho e o professor da USP Camilo Zufelato. “A grande tutela coletiva existente no Brasil, que garante aos cidadãos o acesso à Justiça em busca dos seus direitos, deve muito ao sistema de proteção ao consumidor que está completando 30 anos”, ressaltou Camilo Zufelato. Ele complementou: “Ao mesmo tempo, hoje há muitas tentativas de retrocesso dessas conquistas”.
Nagib Slaibi Filho criticou o volume atual de ações coletivas: “Há um excesso”. Segundo ele, “os interesses individuais não devem fazer parte de ações coletivas, que ganharam uma importância que não tinham quando ingressei na magistratura, há muito tempo”.
OS MEMBROS DO IAB ATUAM EM DEFESA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. FILIE-SE!