Durante a apresentação do painel O Conselho Federativo na PEC 45-A/2019, Muniz explicou a proposta de funcionamento do novo órgão, que será responsável pela gestão de arrecadação do IBS. O imposto substituirá o ICMS e o ISS, compartilhado entre estados e municípios. Segundo o palestrante, uma função importante do Conselho será o controle das normas infralegais para temas relacionados ao imposto. Muniz pontuou que a mudança trará harmonização nos procedimentos relativos ao tema: “A retirada do poder dos entes subnacionais de aprovarem as suas próprias normas infralegais é uma discussão sensível com relação ao federalismo. Se isso traz um problema ao nível da federação, por outro lado, para os contribuintes, a harmonização é uma coisa positiva, porque nós não teremos mais milhares de legislações trazendo temáticas e detalhamento dos impostos”.
Em contrapartida, o professor esclareceu que quanto maior for a uniformidade e a harmonização, menor será a autonomia do ente. “Em dado momento, quando os contribuintes falam que querem uniformidade, eles têm que ter ciência de que a uniformidade vem a custo da autonomia. Autonomia completa não existe, uniformidade completa também não. A linha divisória vai estar no meio do caminho”, ponderou. Muniz afirmou que a questão, nesse momento do debate, é definir se o Conselho Federativo proposto pela PEC vai além do que se poderia esperar de uma harmonização.
A ideia de um conselho harmônico, segundo o professor, tem gerado resistência: “O sonho já começa a ruir na largada quando os estados, principalmente do Sul e do Sudeste, começam a mostrar insatisfação com a estrutura desses conselhos, porque eles sabem que será um mecanismo decisório. Muniz ressaltou a alta probabilidade de existirem disputas pelo poder desse órgão – o que já está acontecendo dentro do Congresso Nacional. Ele afirmou que há desconfiança com relação aos interesses que irão guiar as instâncias decisórias, se serão da população ou dos agentes políticos. “Há receio de que esse problema democrático, que já está instaurado no âmbito das casas legislativas, contamine também o poder decisório desse Conselho Federativo, e que ele vire um novo lugar de alocação de aliados e de conveniências políticas”, completou o professor.
Legislação complementar – Outra crítica feita ao mecanismo da reforma diz respeito às competências que serão legisladas posteriormente. No painel Os superpoderes da Lei na PEC 45-A/2019, o professor convidado da pós-graduação em Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) João Luís de Souza Pereira explicou que a reforma determina que o imposto sobre bens e serviços de competência dos estados, do Distrito Federal e dos municípios será instituído por lei complementar. “Evidentemente, se a ideia é criar um imposto uniforme e que vai unir o IPI, ICMS e o ISS, de fato, a opção por lei complementar se mostra como a única solução possível, exatamente por ser uma lei natural”, contou. No entanto, segundo Pereira, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve ser chamado a se manifestar sobre a constitucionalidade da decisão de instituição do imposto por lei complementar, já que a opção gera controvérsias.
O palestrante afirmou que uma consequência do caráter federal do Estado brasileiro é a possibilidade de os estados, o Distrito Federal e os municípios, que compõem a federação, instituírem seus próprios tributos. “A partir do momento em que o imposto vai ser comum entre estados e municípios, é possível que se questione uma transgressão ao pacto federativo”, disse Pereira. Ele lembrou que na tradição legislativa brasileira o Direito Tributário está constitucionalizado: “É a Constituição que vai dispor sobre normas gerais de determinados tributos. Ela não se limita a outorgar, limitar e dividir a competência. Em vários casos, dispõe sobre normas gerais de determinados tributos. Agora nós estamos fazendo um caminho nunca antes feito”.
Chama atenção, na visão de Pereira, os “superpoderes” que essa legislação terá. “Essa lei complementar irá tratar do aspecto material do imposto: alíquotas, sujeito ativo, passivo, exportações, não cumulatividade, processo administrativo e ainda dos regimes especiais. É uma lei com poderes imensos e que irá tratar de muitos temas de um só imposto”, explicou o professor. Ele destacou que os temas abordados pela norma são disciplinados pela Constituição justamente para dar mais segurança ao contribuinte em questões sensíveis. “É um risco muito grande dar o famoso cheque em branco a essa lei complementar que vai tratar de matérias tão delicadas e tão complexas”, completou.
A não-cumulatividade – Um dos problemas causados pela gama diversa de temas a serem tratados por lei complementar é a previsão de não-cumulatividade, segundo o diretor jurídico do Sindicato das Empresas do Transporte de Carga e Logística (Sindicarga), Alexandre Ayres. Ele destacou que a reforma reitera a existência de não-cumulatividade no sistema tributário nacional, mas não disciplina o assunto. “Será que a lei complementar terá facilidade e clareza em dizer como isso funcionará? Considerando a quantidade de temas que o nosso legislador precisa tratar, será que ele terá consciência suficiente e preparo técnico para escrever uma lei complementar sobre não-cumulatividade? Como isso vai funcionar na prática?”, questionou o advogado.
Dada a amplitude do Direito Tributário, Ayres afirmou que a PEC não dá atenção a todos os detalhes que surgem nas temáticas abordadas pela reforma. “Quando nós dividimos em parcelas as competências e responsabilidades de análise percebemos que tem muito mais coisa a ser discutida e estudada do que vimos em uma leitura simples e direta do texto”. Segundo o advogado, mesmo com a complexidade do tema, a votação da proposta não teve o debate devido na Câmara dos Deputados: “Não podemos, de forma açodada, discutir algo que vai ficar 57 anos conosco, como o Código Tributário está”. Ayres também defendeu a criação de um fórum permanente no IAB para tratar da reforma até que ela seja aprovada.