Ainda segundo o relator, “o ECA é considerado uma das legislações mais avançadas do mundo, mas as garantias nele previstas precisam ter efetividade”. O relatório final será encaminhado pela presidente do IAB aos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado. A comissão especial, de caráter temporário, foi integrada também por Aurélio Wander Chaves Bastos, Euclides Lopes, Hamilton Gonçalves Ferraz, Karine Ferreira de Moura, Kátia Rubinstein Tavares, Luciane Torres Santiago Cardoso, Maíra Costa Fernandes, Margarida Pressburger e Tatiana Lourenço Emmerich de Souza.
“Durante a realização dos trabalhos, a comissão teve a honra e o privilégio de contar, nas suas reuniões, com a valiosa e generosa colaboração de ilustres juristas e especialistas na matéria”, informou Roberto Alves dos Reis. Segundo ele, contribuíram com a comissão o desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) Siro Darlan, que por dez anos foi titular da 1ª Vara da Infância e da Juventude; a defensora pública do RJ Eufrásia Maria Souza das Virgens e a fundadora e coordenadora executiva do Projeto Uerê, Yvone Bezerra de Mello, que compareceu à sessão extraordinária.
Radiografia – Roberto Alves dos Reis ressaltou que o trabalho da comissão não se limitou a elaborar propostas de aprimoramento do ECA. “Fizemos uma radiografia da questão social que envolve o tema, mostrando as causas e os efeitos do problema a ser enfrentado pelos órgãos públicos responsáveis”, informou. Com base na radiografia, João Carlos Britez disse que outras medidas são relevantes, além da manutenção dos avanços proporcionados pelo ECA, da efetivação dos seus dispositivos e do aprimoramento da legislação, que entrou em vigor em 1990.
De acordo com o relator, “é preciso promover políticas públicas que, definitivamente, diminuam o grave problema da segurança pública nacional, ao invés de se recorrer a medidas retrógradas previstas em projetos de lei que tramitam no parlamento”. Segundo o advogado, um dos pontos principais do ECA é o “princípio de proteção integral”, criado para garantir a satisfação de todas as necessidades e direitos das crianças e dos adolescentes. “Contudo, o que vemos é uma situação gravíssima, que combina superlotação das unidades socioeducativas, condições insalubres e maus tratos, o que compromete a ressocialização dos jovens”, criticou.
Em seu relatório final, João Carlos Britez citou, dentre as medidas por ele consideradas retrógradas, o PL 7.197/2002, de autoria do senador Ademir Andrade (PSB-PA), ao qual estão apensados 52 projetos. “A proposta se destina a aumentar para até 10 anos o tempo máximo de internação do menor infrator, que hoje, conforme o ECA, é limitado a três”, informou João Carlos Britez. Segundo ele, se houver a ampliação do período de internação, a idade limite para cumprimento da medida socioeducativa saltará de 21 para 28 anos.
O relatório foi dividido em cinco partes: adaptação do ECA ao Código Civil (CC); maioridade penal e proteção às gestantes, às crianças e aos filhos de detentas; efetividade da proteção do menor; violência dos agentes públicos e as propostas oferecidas ao Congresso Nacional. Tatiana Lourenço Emmerich de Souza e Hamilton Gonçalves Ferraz elaboraram as propostas do IAB destinadas ao aperfeiçoamento do ECA.
Servidora do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) e membro honorária do IAB, Tatiana Emmerich propôs, por exemplo, por considerá-lo vago, acréscimo ao art. 111, que prevê a “defesa técnica por advogado”. Ela sugeriu que o dispositivo seja acrescido da expressão “desde a fase policial até o processo”. Segundo Tatiana Emmerich, “é preciso evidenciar que durante todo o processo a presença de advogado é necessária”.
Dentre as propostas de Hamilton Gonçalves Ferraz, que não pôde comparecer à sessão e teve suas sugestões lidas por Tatiana Emmerich, está a que altera o art. 199 e estabelece: “Nenhum adolescente será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença socioeducativa condenatória”. Na sua justificativa, o advogado defendeu o “alinhamento do processo infracional ao disposto na Constituição, reafirmando o princípio da presunção de inocência”.
A respeito da adaptação do ECA ao CC, falaram na sessão extraordinária Luciane Torres Santiago Cardoso e Euclides Lopes. “Alguns institutos do Direito de Família, como o abandono afetivo e a alienação parental, estão no Código Civil, de 2002, e são considerados ilícitos, mas não estão no ECA”, explicou Luciane Torres. Euclides Lopes disse que, “enquanto o Estado não assumir as suas responsabilidades, não haverá avanços no que diz respeito a conferir efetividade ao Estatuto, que veio para dar proteção integral às crianças e aos adolescentes”.
Marco civilizatório – Kátia Tavares falou sobre maioridade penal. “Embora o ECA seja um marco civilizatório, ele entrou em vigor em 1990, época da chegada do neoliberalismo, que prega a exclusão e abre caminho para propostas retrógradas, como a de redução da maioridade penal”, criticou a advogada. Segundo ela, “o aumento da criminalidade está ligado à má distribuição de renda e à falta de saúde e educação para toda a população”.
Em relação à efetividade da proteção do menor, Roberto Alves dos Reis disse que “o Estado brasileiro não dispõe de política social voltada à família, e os guetos de violência se transformaram em endêmicos problemas de segurança pública a exigir por parte do governo solução nunca alcançada”.
O presidente da comissão abordou, também, o tópico referente à proteção às gestantes e destacou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), tomada no ano passado. “O Supremo decidiu que mulheres grávidas e mães de crianças de até 12 anos que estejam em prisão provisória, sem condenação, terão direito a ficar em prisão domiciliar até seus casos serem julgados”, lembrou.
Luciane Torres tratou, também, da violência dos agentes públicos. “A principal violência do Estado contra os menores é o abandono e o extermínio da população carente”, afirmou. De acordo com a advogada, “a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) já denunciou várias vezes que existe um contexto estrutural e de violência nos locais de privação de liberdade para adolescentes no Brasil”.
Titular da 2ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Capital do TJRJ, a juíza Glória Heloiza da Silva participou da sessão. “Muito mais do que reformar a legislação, é necessário conscientizar sobre a importância de políticas públicas que garantam cidadania às crianças e aos adolescentes”, afirmou a magistrada.
No relatório final, João Carlos Britez relacionou vários pontos considerados indispensáveis à construção de políticas públicas para a promoção e garantia de direitos de crianças e adolescentes. Entre eles, estão: garantir aos jovens o direito à educação e à dignidade; maior divulgação sobre o funcionamento do Fundo de Apoio à Infância; atuação conjunta dos membros do Ministério Público, da Defensoria Pública e do Poder Judiciário para dar maior efetividade ao Eca.
O relator incluiu ainda: juízes devem ver os adolescentes infratores como sujeitos de direitos; reestruturação dos Conselhos Tutelares e dos Centros de Acolhimento; maior apoio às famílias vulneráveis; conscientização da sociedade dos riscos oferecidos por PLs que tramitam no parlamento e posicionamento contrário às propostas que ampliam o tempo de internação ou promovem a redução da maioridade penal.
OS MEMBROS DO IAB ATUAM EM DEFESA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. FILIE-SE!