Com o tema Bicentenário da Independência do Brasil e os desafios do ensino jurídico para a mudança estrutural do sistema de justiça, o evento foi aberto pelo presidente nacional do IAB, Sydney Sanches, e teve transmissão pelo canal TVIAB no YouTube. Sobre o tema do webinar, o presidente disse: “Trata-se de matéria muito cara para a formação jurídica no Brasil, um país onde a quantidade de formandos anual é muito expressiva”. Ele falou do grande número de faculdades de Direito no País, “o que gera uma série de distorções, se comparado com qualquer outro país do mundo”. Aliada a isso, acrescentou, “temos a deficiência do ensino jurídico, o que distorce o papel da advocacia e do Direito na discussão das questões importantes para o nosso desenvolvimento”.
Moderador do debate e presidente da Comissão de Direito Constitucional do IAB, Sérgio Sant’Anna argumentou que “nosso ensino jurídico precisa ser questionado, avaliado, debatido e entendido, por conta também do sistema de justiça, que vem produzindo algumas questões importantes dentro da esfera política e institucional do nosso País”. Sobre Boaventura de Sousa Santos, ele disse: “É um dos grandes intelectuais que temos hoje no mundo. Ele está ao mesmo tempo produzindo e participando, fazendo um papel importante do intelectual, que é o de ter uma visão orgânica da sociedade, tentando interferir de alguma forma”.
Boaventura de Sousa Santos
Turbulência – Doutor em Sociologia do Direito pela Universidade de Yale e professor catedrático jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Boaventura de Sousa Santos falou sobre A contribuição do sistema de Justiça para o equilíbrio do Estado Democrático de Direito. Ele lembrou que, no início da carreira, foi professor de Direito Penal e de Processo Penal na Universidade de Coimbra, depois migrou para a Filosofia e, finalmente, para a Sociologia. Segundo ele, “o papel constitucional do Direito é limitar o poder, mas não podemos esquecer que o Direito também é uma forma de poder e que os limites desse poder têm que ser analisados”. Em momentos de turbulência política e de crise social, acrescentou, “os usos do sistema jurídico se tornam abusos do sistema jurídico”.
Boaventura ressaltou que “os abusos cometidos recentemente por uma parte do sistema judicial brasileiro comprometeram todo o sistema”, e que, “no momento em que detectamos esses abusos, temos que corrigi-los, denunciá-los, tomar as medidas disciplinares para voltar ao normal”. O sistema, segundo ele, voltou ao normal, mas “há algo no sistema judicial brasileiro que o predispõe para o abuso e não acredito que a mera correção dos abusos corrija os problemas do sistema”.
O professor tem estudado sistemas judiciais da América Latina, como o colombiano e o chileno, e “tinha a impressão de que o sistema judicial brasileiro era mais resistente, mais robusto, mas não é”. Também estudou o sistema judicial em várias partes do mundo e concluiu que o brasileiro é o mais independente de todos. Porém, ao mesmo tempo, “é extremamente promíscuo com o sistema político”. Em seguida, falou da diferença entre independência democrática e independência corporativa: “A independência democrática é absolutamente fundamental para garantir a efetivação de direitos; a independência corporativa é utilizada para conquistar privilégios e regalias à revelia da sociedade”. Como exemplo, ele citou o aumento de 18% que os ministros do Supremo Tribunal Federal deram recentemente aos seus próprios salários, “enquanto 33 milhões de brasileiros passam fome”.
Definindo-se como “um otimista trágico”, Boaventura de Sousa Santos enumerou as reformas que, segundo ele, são necessárias: transparência democrática no controle do Poder Judiciário; negociações de salários e recursos para o sistema judicial com a participação do Poder Legislativo, e reforma profunda das faculdades de Direito e das escolas da magistratura, “para tornar os profissionais mais sensíveis às realidades sociológicas, políticas e culturais da sociedade brasileira”. Ele defendeu a ideia das faculdades populares de Direito, que realmente tratem de assuntos de interesse das classes menos favorecidas.