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Quinta, 15 Abril 2021 00:52

Advogados defendem a revogação da Lei de Segurança Nacional  

O Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) firmou posição pela revogação da Lei de Segurança Nacional (LSN) e a criação de uma Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito para substituí-la. Na sessão ordinária virtual desta quarta-feira (14/4), conduzida no canal TVIAB no YouTube pela presidente nacional, Rita Cortez, o plenário aprovou, com 97% dos votos, dois pareceres favoráveis à não recepção integral da LSN, como é conhecida a Lei 7.170/1983. “É um entulho autoritário com artigos que afrontam o direito constitucional à liberdade de expressão”, ressaltou a criminalista Letícia Lins e Silva, membro da Comissão de Direito Penal, autora de um dos pareceres.  
Criada durante a ditadura militar, a LSN, que tem sido usada para intimidação de críticos do atual governo federal – em sua maioria, jornalistas –, também foi rejeitada no parecer assinado por Lênio Streck e Pablo Malheiros da Cunha Frota, ambos da Comissão de Direito Constitucional. “A LSN não trata da defesa de condutas contrárias ao estado democrático de direito em si, mas cria inimigos internos em favor da doutrina da segurança nacional”, afirmou Lênio Streck. Para Pablo Malheiros, “é preciso diferenciar a liberdade de expressão do discurso de ódio, em que se utiliza a democracia e a liberdade de expressão para justamente solapar a democracia e a liberdade de expressão”. 

Por considerarem que o Supremo Tribunal Federal (STF) não irá revogar a LSN integralmente, os dois relatores, além de opinarem, como Letícia Lins e Silva, pela não recepção integral da lei, defenderam que seja editada a Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito, em substituição à legislação ultrapassada. Um dos projetos de lei que tramitam na Câmara dos Deputados com esse propósito é o PL 3.864/2020. Elaborada por um grupo de juristas, do qual fez parte Lênio Streck, a proposta, que foi protocolada na Câmara pelo deputado federal Paulo Teixeira (PT/SP), revoga a LSN e cria a Lei em Defesa do Estado Democrático de Direito. 

Em razão do aumento da recorrência à LSN nos últimos dois anos, o PTB, o PSB, o PSDB e, juntos, Psol, PT e PCdoB, protocolaram as Ações de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 797, 799, 815 e 816, respectivamente, questionando a constitucionalidade da lei no STF. O IAB ingressou com pedido no Supremo para atuar como amicus curiae, ou seja, participar junto com outras entidades da advocacia e instituições jurídicas do julgamento das ADPFs. Os dois pareceres do IAB analisam a LSN e as ações. “Embora as ADPFs apontem caminhos diferentes, todas consideram a LSN um ato normativo impregnado de espírito autoritário, incompatível com o estado democrático de direito, o princípio republicano e a Constituição Federal promulgada em 1988”, disse Letícia Lins e Silva. 

 
Letícia Lins e Silva


Lênio Streck.e Pablo Frota reuniram dados demonstrando que, nos anos de 2019 e de 2020, foram instaurados pela Polícia Federal 77 inquéritos com base na LSN, número bem acima dos registrados em 2018 (19), 2017 (5) e 2016 (7). Em sua maioria, os inquéritos foram abertos para enquadrar e intimidar críticos do governo federal. Letícia Lins e Silva citou o episódio recente envolvendo o influenciador digital Felipe Neto, que chegou a ser intimado a depor, tendo como base a Lei de Segurança Nacional. Ela lembrou também outras situações marcantes em que a lei foi empregada nos últimos 20 anos.   

 
Lênio Streck


Entulho autoritário – “No ano 2000, líderes do Movimento Sem-Terra foram indiciados com base na LSN e, em 2006, integrantes do Movimento de Libertação dos Sem-Terra foram acusados com base no mesmo entulho autoritário, sem falar de Adélio Bispo, indiciado em razão de sua fracassada tentativa de matar o atual presidente da República durante a campanha eleitoral”, destacou. 
Os dois pareceres criticam o fato de o STF ter recorrido à LSN para instaurar o inquérito que apura as fake news e as ameaças aos ministros da corte, como também para sustentar a ordem de prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ). Segundo Pablo Malheiros, “o STF tem aplicado a LSN sem ter feito até hoje um juízo de recepção da lei com a Constituição”. De acordo com ele, desde que a Constituição Federal foi promulgada, em 1988, até hoje, o Supremo aplicou a LSN em 20 acórdãos, “sem enfrentar a sua incompatibilidade com a Carta Magna”.   
 
Pablo Malheiros,


Letícia Lins e Silva também comentou a prisão do parlamentar, tendo como base a LSN: “Grande parte dos crimes atribuídos ao parlamentar está no rol de tipos penais incompatíveis com princípios inscritos na Constituição Federal de 1988, sobretudo aqueles que ameaçam o prevalente direito à liberdade de expressão”.  

Vácuo legal – A criminalista se disse contrária à ideia de que a LSN pode ser considerada parcialmente inconstitucional: “Defendo que ela não seja recepcionada na sua integralidade, como proposto na ADPF 797”. Ela contesta a tese de que a revogação da lei pode gerar um vácuo legal até que o Poder Legislativo promulgue nova lei de proteção do estado democrático de direito, conforme ressaltado na ADPF 799. Movido por essa preocupação, o autor desta ação questiona apenas parcialmente a constitucionalidade da lei. As ADPFs 815 e 816 pedem também a rejeição parcial da LSN, sendo que a segunda sugere ao STF que determine ao Congresso Nacional a edição de uma nova lei dentro de prazo estipulado para evitar o vácuo legislativo.  

A advogada lembra que, desde 1984, ou seja, um ano após a entrada em vigor da LSN, o Congresso Nacional vem debatendo a ideia de revogação total ou alteração parcial da lei. Segundo ela, já foram protocolados mais de 66 projetos de lei com esse propósito, sendo 16 deles apenas nos dois últimos ano. Ela destacou dois projetos: um deles é o PL 6.764/2002, elaborado por uma comissão de juristas, que revoga a LSN e cria novos tipos no Código Penal, no campo dos crimes contra o Estado. O outro é o PL 3.864/2020, também produzido por juristas. “São dois projetos que vêm em boa hora”, opinou Letícia Lins e Silva. 

Após a sustentação oral pelos relatores e antes da votação que resultou na aprovação dos pareceres, alguns membros do IAB se manifestaram O presidente da Comissão de Direito Constitucional, Sergio Sant’Anna, autor da indicação para a elaboração dos pareceres, classificou a sessão como “memorável”. Jorge Folena, membro da comissão, também elogiou a qualidade dos pareceres, mas comentou que “não há correlação de forças no Congresso Nacional que, hoje, garanta a edição de uma lei democrática para substituir a LSN”. O consultor Legislativo do IAB e ex-deputado federal Miro Teixeira concordou com o colega, defendeu a revogação da LSN e ressaltou que “é preciso afastar a possibilidade, atualmente remota, de que o parlamento irá aprovar uma nova lei”. 

Na sessão ordinária virtual, o plenário aprovou ainda a indicação da presidente, no sentido de que o IAB ingresse no STF com pedido para atuar como amicus curiae também nos julgamentos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6792 e da ADPF 826. Conforme explicou o presidente da Comissão de Direito Penal, Marcio Barandier, ambas foram ajuizadas pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Dentre os advogados que assinaram a ADPF está o membro efetivo do IAB Luiz Guilherme Vieira.  

A primeira ação visa a contestar o emprego abusivo de ações cíveis de reparação por danos materiais e morais, com o intuito de impedir a atuação livre de jornalistas e órgãos de imprensa. A segunda tem o propósito de não permitir que jornalistas respondam a ações penais pelos crimes de calúnia e difamação, tendo como base a LSN. 
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