Para Pedernera, 'é preciso educação de qualidade para evitar ingresso no crime e só em caráter excepcional punir com privação de liberdade".
Conjuntura / 12:40 - 26 de ago de 2019Em sua quarta visita ao Brasil como presidente do Comitê dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU), o advogado uruguaio Luis Pedernera, em palestra no seminário sobre A responsabilidade do adolescente autor de ato infracional, na sede do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), no Rio, na última sexta-feira, afirmou:
"Volto triste para o meu país, ao constatar a grave situação da infância brasileira". O advogado percorreu vários estados e disse ter ficado estarrecido com o elevado número de meninos de rua e as condições de centros de detenção de menores.
"É preciso garantir educação de qualidade para evitar o ingresso no crime e, somente em caráter excepcional, punir os infratores com a privação da liberdade", disse. Segundo ele, somente 1% dos crimes é cometido por menores.
Na abertura do evento, a presidente nacional do IAB, Rita Cortez, informou ao representante da ONU a criação da Comissão Especial para Apresentação de Propostas para o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) do IAB.
"Este é mais um assunto de relevância nacional sobre o qual os juristas do IAB estão debruçados, para discutir e propor medidas de aperfeiçoamento da legislação, com vistas a garantir a dignidade da pessoa humana", afirmou a advogada. O seminário organizado pelo IAB contou com a parceria da Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim) e do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH).
Em sua palestra, Luis Pedernera destacou o "papel histórico do IAB na defesa do estado democrático brasileiro" e criticou o movimento que visa a reduzir a idade de ingresso na maioridade penal. Segundo ele, "há países da África e da Ásia em que infratores de apenas sete anos de idade são condenados a cumprir as mesmas penas destinadas a criminosos adultos". Ele falou também da importância da Convenção dos Direitos da Criança da ONU, que está completando 30 anos. "Desde então, vários países começaram a reformular as suas legislações, que passaram a estabelecer a criação de tribunais especializados e centros de detenção apropriados para os menores infratores", enfatizou.
Ao citar que somente 1% dos crimes é cometido por menores, o presidente do Comitê dos Direitos da Criança da ONU disse:
"Ao contrário do que afirmam muitos políticos que defendem penas mais duras para os infratores, o aumento da criminalidade não se deve à participação de menores". No seminário, a diretora do IAB Kátia Tavares também criticou as propostas de diminuição da maioridade penal e endurecimento das penas. "O que temos que fazer é aprimorar o ECA, que, aliás, é uma legislação moderna, fortemente influenciada pela Convenção dos Direitos da Criança da ONU, e garantir o princípio da dignidade humana no tratamento aos menores infratores".
Para o presidente da Comissão Especial para Apresentação de Propostas para o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) do IAB, Roberto Alves dos Reis, "o ECA é uma excelente legislação, mas tem faltado eficácia na sua aplicação". Ainda de acordo com o advogado, "o afastamento dos jovens da criminalidade implica a existência de escolas e hospitais públicos de qualidade, sendo fundamental também impedir a redução da maioridade penal, pois o encarceramento em massa de menores infratores servirá somente para agravar a situação, sem perspectiva de recuperá-los".
Em sua participação no seminário, o presidente da Anacrim, James Walker Junior, criticou "a grave situação atual do país". Segundo ele, "no Brasil contemporâneo, desde a redemocratização, não vivenciávamos momentos de profunda instabilidade como hoje". De acordo com o advogado, "os que atualmente ocupam o poder, chegaram lá vencendo as eleições com um discurso de ódio, intolerância e desrespeito às diferenças".
A coordenadora nacional do MNDH, Monica Alkmim, afirmou: "A Organização Internacional do Trabalho considera o envolvimento de crianças e adolescentes com o tráfico de drogas a forma mais extrema e cruel de exploração do trabalho infantil". Monica Alkmim disse ainda: "E o Estado brasileiro, ao invés de acolhê-los, os captura e os priva da liberdade em centros de detenção igualmente precários como as unidades prisionais para adultos".
Direitos humanos - A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados realiza audiência pública na quarta-feira para discutir o cumprimento das recomendações da ONU sobre direitos humanos no Brasil. Essas recomendações constam da Revisão Periódica Universal (RPU), mecanismo pelo qual os Estados-membros das Nações Unidas analisam a situação interna de um país. O Brasil já passou por três ciclos de avaliação da RPU, em 2008, 2012 e em 2017.
"Durante o terceiro ciclo da revisão, o Brasil recebeu 246 recomendações dos Estados-membros das Nações Unidas, entretanto, ainda não definiu os mecanismos de implementação e como se dará o monitoramento dessas recomendações", afirmou a deputada Erika Kokay (PT-DF), que propôs a audiência.
Segundo a deputada, as recomendações tratam de temas como violência policial, reformas no sistema penal, políticas que ampliem a igualdade racial e de gênero, acesso a serviços públicos de qualidade, em especial à educação, e redução dos índices de pobreza.
Kokay destacou que no ano passado representantes do governo e da sociedade civil se reuniram em Brasília para discutir estas questões e que o governo se comprometeu a, em 2019, elaborar e enviar o relatório sobre a implementação das recomendações, assim como realizar uma consulta pública sobre este documento.
"Tendo em vista este cenário, é essencial a realização de audiência pública sobre a temática como forma de garantir o diálogo prévio no que tange às informações que serão apresentadas pelo Brasil sobre a implementação das recomendações", concluiu Erika Kokay.