O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil afirma que não foi notificado da busca feita nesta sexta-feira (21/12) no escritório de Zanone Manoel de Oliveira Júnior, que defende Adélio Bispo de Oliveira, homem que esfaqueou o então candidato a presidente Jair Bolsonaro.
Segundo a entidade, isso torna nula qualquer prova obtida na ação, pois a obrigatoriedade da presença da OAB é estabelecida por lei, conforme dispõe o artigo 7º, inciso II, parágrafo 6º, da Lei Federal 8.906/94.
A Polícia Federal diz que as buscas pretendem identificar quem paga os honorários de Zanone porque existe a suspeita de ser uma organização criminosa ou grupo político. Para a OAB, caso esse motivo seja confirmado, "estaremos diante de um atentado à lei e ao Estado Democrático de Direito".
"Não se pode pretender combater o crime cometendo outro crime. O advogado, que é indispensável à administração da Justiça, tem a inviolabilidade de seu escritório assegurada por lei sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei", afirma a OAB, em nota.
O episódio traz à tona a discussão sobre a garantia constitucional da imunidade profissional do advogado. Advogados e entidades de classe criticam a medida e ressaltam a necessidade de se assegurar a inviolabilidade do escritório. O receio é de intimidação e cerceamento de defesa e de que se generalize a ideia de que os advogados podem responder pelas atitudes dos clientes.
Leia alguns posicionamentos:
Rita Cortez, presidente do Instituto dos Advogados do Brasil
"A atitude da Polícia Federal, autorizada judicialmente, agride as prerrogativas não só dos advogados criminalistas, mas de toda a advocacia brasileira, em afronta a um só tempo à Lei 8.906/94 e ao artigo 133 da Constituição Federal, que completou 30 anos em 2018. Diligências e apreensões de materiais no escritório do advogado Zanone Manuel de Oliveira Junior, no exercício de sua atividade profissional, significa grave agressão ao Estado Democrático de Direito. Este ato violento é incompatível com a ordem jurídica constitucional vigente. Nossos escritórios, bem como a sigilosa relação cliente e advogado são invioláveis e, em razão disso, a medida se revela inconstitucional. A advocacia ao longo dos últimos anos vem clamando pela observância e respeito, por parte do Poder Judiciário, das suas prerrogativas. As prerrogativas da advocacia não são benesses. São garantias conferidas de forma que não haja obstáculos ao livre exercício das nossas atividades. É garantia que se estende à sociedade na medida em que advogados e advogadas são porta vozes dos direitos civis, políticos e sociais dos cidadãos brasileiros, sendo um deles, de significativa relevância constitucional, a do amplo direito de defesa dos acusados. Não quero crer que medidas arbitrárias como esta sejam uma amostra do movimento que se orquestra no sentido de criminalizar a advocacia brasileira, atacando-a naquilo que nos é mais sagrado, violando direitos e garantias constitucionais básicas. O IAB, com serenidade e firmeza, não ficará calado diante de tamanha agressão ao advogado e estará certamente ombreado com as entidades de representação da advocacia na incessante luta em defesa das nossas prerrogativas. As liberdades democráticas não podem ser postas em risco em razão de iniciativas discricionárias e ditatoriais adotadas por quem quer que seja, notadamente, pelo Poder Judiciário que tem o dever de zelar pelos direitos, princípios e garantias inseridas na Constitucional Federal."
Rafael Faria, criminalista
"A busca e apreensão no escritório do advogado significa verdadeiro retrocesso constitucional, a defesa técnica é a barreira entre a acusação e o Estado-juiz. Todas as ações processuais devem ser tomadas em defesa do profissional. É impossível conviver num Estado que se diz Democrático de Direito se a advocacia for colocada no banco dos Réus, é confundir advogado com réu!"
Conrado Gontijo, criminalista e professor
"É um ato de arbítrio que deve ser observado com muita cautela, pois viola gravemente preceitos constitucionais fundamentais."
Alexandre Ribeiro Filho, criminalista
"Em princípio, porém, parece absurda a ideia de que um escritório de advocacia seja devassado para saber-se o valor e a origem dos honorários, os quais estão abrangidos pelo sigilo. Principalmente quando se tem notícia de que a investigação concluiu que ele agiu sozinho no dia do crime. O advogado deve satisfação dos seus recebimentos à Receita Federal."
Fernando Castelo Branco, professor
"A questão é um pouco mais complexa no âmbito da investigação. A PF deve achar que alguém está patrocinando o pagamento do advogado, alguém que esteja envolvido com a prática criminosa, ou seja, o mandante do crime foi quem pagou advogado para o executor. Mas se for só a questão do advogado com o cliente, aí sim está caracterizada uma violação do sigilo profissional da confidencialidade da relação advogado-cliente."
Vera Chemim, constitucionalista
"Se houver indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte do advogado, a autoridade judiciária pode quebrar a inviolabilidade, desde que a decisão seja motivada, expedindo mandado de busca e apreensão específico e pormenorizado a ser cumprido na presença de representante da OAB."
Daniel Gerber, criminalista e professor
"Excessivas porque bastaria uma simples leitura da nota fiscal emitida em contraprestação ao pagamento, dado esse obtido facilmente junto à Receita Federal; abusiva porque um escritório somente pode ser invadido se o advogado for suspeito do ilícito investigado ou mantiver em sua guarda instrumental relativo à prática ou resultado do crime."
João Batista Augusto Junior, criminalista do Bialski Advogados
"Violar as prerrogativas do advogado a pretexto de se identificar terceiros que supostamente teriam praticado crime ou deste terem participado é o mesmo que aniquilar a democracia."
Adib Abdouni, constitucionalista e criminalista
"A operação de busca e apreensão em escritórios de advocacia com a finalidade de se obter provas sobre a origem do pagamento de honorários advocatícios se revela ilegal, por limitar as prerrogativas profissionais do advogado em defender o réu na ação penal."
Guilherme San Juan, criminalista
"A busca em escritório de advocacia de defensor constituído é extremamente grave e deve ser devidamente apurada. Esperamos que a OAB se posicione de forma efetiva."
Movimento de Defesa da Advocacia
"O MDA repudia e manifesta sua indignação em relação à violação, contrária ao regime jurídico vigente, de escritório de advocacia. A consagração da inviolabilidade de escritório ou local de trabalho, bem como de correspondência do Advogado, conforme disposto na Lei 8.906/94, é instrumento de garantia da preservação do Estado de Direito e não pode, por qualquer motivo, ser tolerada. O MDA está atento aos eventuais abusos e ilegalidades cometidos, pronto para, sendo o caso, agir e exigir a apuração dos fatos e as devidas responsabilizações. Por fim, a advocacia e a sociedade devem se unir em defesa da Constituição e da observância dos direitos que ela consagra."
Miguel Pereira Neto, advogado
"A Advocacia é essencial à estrutura do Estado de Direito. A invasão de escritório de advogado, de seu arquivo inviolável, com violação das prerrogativas e garantias para o amplo exercício da defesa, caracteriza ato injustificável, constrangimento ilegal, gravíssimo sob qualquer pretexto, Qual o crime cometido pelo advogado? É investigado? Ou prova por meio ilícito? O Judiciário não pode permitir a prática de tais atos, sob pena de restar legitimado o estado de polícia, de exceção, avesso à Constituição Federal. A gravidade provém do abuso de pedido arbitrário, da responsabilidade do agente público, representa a abertura da porta para a ruptura do processo democrático e de suas garantias fundamentais. A OAB tem que agir! Adotar medida eficaz a evitar qualquer resvalo ao fim das liberdades individuais, do sigilo de informações, da Democracia. Qualquer flexibilização aos direitos fundamentais autoriza invadir a o domicílio, a intimidade, a privacidade, a propriedade, a liberdade de cada cidadão".