Ministro do TST diz que ‘após a pandemia, haverá uma enxurrada de ações na Justiça do Trabalho’
Por Ricardo Gouveia/IAB. (Foto: Fellipe Sampaio/TST) - sexta, 01 de maio de 2020
O ministro Alexandre Agra Belmonte, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), afirmou nesta sexta-feira (1º/5), ao participar de um debate ao vivo promovido pelo Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), que, “após a pandemia, haverá uma enxurrada de ações na Justiça do Trabalho, em questionamento a demissões e acordos de redução de salários de milhões de trabalhadores”. O ministro debateu o tema ‘O 1º de maio e os desafios para o mundo do trabalho’ com o vice-presidente da Associação Luso Brasileira de Juristas Trabalhistas (Jutra), Luís Carlos Moro, sob a mediação do presidente da Comissão de Direito do Trabalho do IAB, Daniel Apolônio Vieira.De acordo com o ministro, “mais uma vez, a Justiça do Trabalho ficará responsável pela pacificação social”.
O evento virtual, transmitido no Zoom e no Youtube (canal IABTV), foi aberto pela presidente nacional do IAB, Rita Cortez. “Neste 1º de maio, Dia do Trabalhador, devemos prestar homenagem aos atos heroicos dos profissionais da área da saúde, que estão na linha de frente do enfrentamento da pandemia, que já matou quase seis mil pessoas no Brasil”, disse a advogada trabalhista. De acordo com a presidente, a propagação da Covid-19 “revelou o gravíssimo quadro de desigualdade social existente no País, o que torna ainda mais dramática a crise sanitária”.
Segundo a advogada, o cadastramento para recebimento do auxílio emergencial mostrou para o governo o número real de trabalhadores desamparados. “São quase 60 milhões de pessoas na clandestinidade, sem identidade, CPF, título de eleitor e renda”, apontou. Agra Belmonte também criticou as precárias condições de vida enfrentadas pela maior parte da população. “Somos o sétimo país no ranking mundial de desigualdade social”, informou.
Espólio – Para o ministro, não há motivo para celebrar o 1º de maio. “Gostaria que estivéssemos comemorando com pleno emprego, mas infelizmente estamos administrando um espólio que tende a se agravar ainda mais após a pandemia”, disse. Daniel Apolônio Vieira comentou sobre a reforma trabalhista: “Anunciaram que a reforma resultaria na geração de empregos, mas hoje o que temos é um mercado informal gigantesco, com cerca de 47 milhões de pessoas na informalidade e aproximadamente 12 milhões desempregadas”, criticou o presidente da Comissão de Direito do Trabalho.
Luis Carlos Moro também falou sobre a reforma trabalhista. “Ela não conseguiu universalizar o emprego, pelo contrário, precarizou-o ainda mais”, afirmou. O advogado questionou o interesse contido na maior parte das medidas provisórias e decretos editados pelo governo federal. “Não tenho grande esperança imediata de uma situação melhor para o País, por conta do atual estado de suspensão do projeto constituinte, que decorre da apresentação de propostas contrárias aos fundamentos da República”, alertou. Segundo ele, a maior parte das propostas tem “viés autoritário“.
Tábuas de salvação – Agra Belmonte disse que deverá ocorrer uma enorme demanda à Justiça do Trabalho, mas considerou acertada a edição das Medidas Provisórias 936 e 927, que permitiram, em regime de urgência, a redução de salários e da jornada de trabalho, entre outras alterações na legislação trabalhista. “As MPs surgiram como tábuas de salvação, pois, nesta situação excepcional, é melhor reduzir o salário do que ficar sem o emprego”, ponderou.
Para o ministro, porém, a enxurrada de ações que está por vir poderia ser evitada, se os sindicatos tivessem permanecido com a prerrogativa da negociação. Em sua opinião, somente nos casos em que os sindicatos não fizessem acordos coletivos, deveria se partir para os acordos individuais entre empregados e empregadores. “Um grande número de médias e grandes empresas, antes mesmo da edição das MPs, se anteciparam e fizeram acordos individuais e coletivos com trabalhadores e sindicatos”, informou Agra Belmonte
Em seguida, ele complementou: “Contudo, as pequenas e microempresas, que empregam 70% dos trabalhadores do País, não fizeram tais acordos, sendo daí que virá a judicialização, em questionamento, por exemplo, aos valores pagos pelas indenizações aos demitidos”. O ministro defendeu “a adequação da lei aos novos tempos, mas sem a flexibilização de direitos”.
Luís Carlos Moro demonstrou preocupação com o tratamento a ser dispensado às demandas pelos tribunais regionais do trabalho. “É preciso que haja respeito a todas as exigências processuais, que podem ser gravemente reduzidas com a realização das audiências virtuais impostas pela crise sanitária”, defendeu. Em sua opinião, “a interpretação da lei passou a ser mais importante do que a lei em si”.
Moro comentou, também, sobre a decisão do STF que, por sete votos a três, considerou constitucional a MP 936, que instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, para reduzir salários e a jornada de trabalho por meio de acordos individuais, alijando os sindicatos das negociações. Conforme o artigo 7º da Constituição Federal, a redução de salários só pode ocorrer por meio de acordos coletivos. “A Constituição foi suspensa por uma medida provisória”, afirmou o advogado.
Segundo Moro, na sua decisão, o STF, diante da emergência gerada por milhões de acordos firmados e que precisavam ser validados, “adotou um critério político, e não jurídico, embora não haja circunstância excepcional que impeça a aplicação da Constituição”. Para Agra Belmonte, “com base na letra expressa, a MP é inconstitucional”. O ministro defendeu “o fortalecimento da legitimação dos sindicatos, que existem para servir à sociedade”.
No encerramento do evento, a presidente nacional do IAB ressaltou que “não há segurança jurídica à margem da Constituição”. Rita Cortez propôs: “É necessário reformular o papel do Estado brasileiro e fortalecer a proteção aos direitos fundamentais”.
FONTE: Justiça em Foco - 01/05/2020