Mais de 200 juristas assinaram manifesto em que defendem a democracia e conclamam o encontro da "obediência à ordem legal" e respeito da atuação dos Poderes. O grupo reúne advogados, juízes, ex-ministros, promotores e presidentes de associações de classe.
O movimento ocorre após propostas de intervenção militar serem ventiladas na última semana. Duas opiniões, em especial, geraram polêmicas. O jurista Ives Gandra Martins afirmou, em artigo exclusivo à ConJur, que o artigo 412 da Constituição define como competência das Forças Armadas moderar os conflitos entre os Poderes.
Já nesta terça (2/6), o procurador-Geral da República, Augusto Aras, afirmou ao jornalista Pedro Bial que pode haver intervenção das Forças Armadas caso um Poder invada a competência de outro. Após repercussão negativa, o PGR emitiu nota em que defende que a Constituição não admite intervenção militar.
De acordo com os juristas, as Forças Armadas não têm prerrogativas de poder constitucional, nem possuem o papel de poder moderador entre os Poderes. "Quer porque assim não está expresso na letra constitucional, quer por não terem vocação para tal mister, em função de seu próprio caráter de força. Ademais, careceriam de condições para exercer tal incumbência, dada sua vinculação hierárquica e disciplinar ao presidente da República, chefe do Poder Executivo", afirmam.
Mais cedo, o Conselho Federal da OAB emitiu parecer em que afirma ser inconstitucional o uso das Forças Armadas para moderar os Poderes.
Assinam o manifesto pela democracia juristas renomados, presidentes e ex-presidentes de diversas entidades de classe. Dentre eles estão Carlos José Santos da Silva (Cajé), Marcos da Costa, Marcelo Knopfelmacher, Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, Técio Lins e Silva, Torquato Jardim, Luiz Antonio Guimarães Marrey e Floriano Marques Neto.
E ainda José Eduardo Cardozo, Pierpaolo Cruz Bottini, Carlos Leonardo Sica, Rita Cortez, Luiz Flavio Borges D'Urso, Fernando Castelo Branco, Alberto Toron, Eleonora Rangel Nacif, Janaina Matida, Sylvia Steiner, Ivette Senise Ferreira, Mario Sarrubbo, Walfrido Warde, Heloisa Estelita e Estela Aranha. Veja aqui todas as assinaturas.
Leia abaixo o manifesto:
As Forças Armadas e a democracia
A Constituição de 1988 reservou às Forças Armadas papel fundamental como instrumento de Defesa do Estado de Direito e das Instituições Democráticas (Título V), tendo como missão a defesa da Pátria, a garantia dos poderes constitucionais - Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário (art. 2º) - e, por iniciativa de qualquer deles, a defesa da lei e da ordem.
Os poderes da República são o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, e somente estes! Às Forças Armadas não se atribuem prerrogativas de poder constitucional, sendo instituições nacionais permanentes e regulares a serviço do Estado. Nem agregam o papel de poder moderador entre os Poderes, quer porque assim não está expresso na letra constitucional, quer por não terem vocação para tal mister, em função de seu próprio caráter de força. Ademais, careceriam de condições para exercer tal incumbência, dada sua vinculação hierárquica e disciplinar ao Presidente da República, chefe do Poder Executivo.
Os Poderes, por mandamento constitucional, são independentes e harmônicos entre si (art. 2º), tendo sua organização, funcionamento e atribuições expressamente previstos na Constituição, que ainda define como responsável por sua guarda o Supremo Tribunal Federal (art. 102).
Eventuais insatisfações e contrariedades sobre decisões do STF são fenômenos comuns e compreensíveis no Estado Democrático de Direito, da mesma forma como ocorrem em relação a deliberações dos Poderes Executivo e Legislativo. Sua correção e ajustamento devem ser buscados no próprio texto constitucional, a Lei Maior, onde não há guarida para soluções com mobilização de força.
A Nação conta com suas Forças Armadas como garantia de defesa dos poderes constitucionais, jamais para dar suporte a iniciativas que atentem contra eles.
Conclamamos todos ao encontro da obediência à ordem legal, do caminho da harmonia e do respeito aos Poderes, sob a crença de que, por meio do diálogo, eles continuem o esforço de consolidação de nossa democracia e a merecer os aplausos dos brasileiros.
Só assim o Brasil poderá enfrentar as crises - sanitária, econômica e política - que corroem o ânimo nacional, e reencontrar a chama da esperança tão aguardada por todas as camadas de nossa população.
FONTE: Consultor Jurídico - 02/06/2020