Rio - Para você não se perder nas questões jurídicas, a especialista em Direito Eleitoral Ana Tereza Basílio, do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), esclarece algumas das principais perguntas dos leitores de O DIA.
1- O que o STF decide hoje, afinal?
a) Se Lula vai preso ou poderá aguardar a decisão sobre os recursos que sua defesa irá entrar nos tribunais superiores. Sob o ponto de vista técnico, o caso em julgamento vai analisar a situação pessoal e especifica do Lula. Isso porque, trata-se de um habeas corpus, e não de uma modalidade de ação, a qual a lei ou a constituição atribuam eficácia geral e vinculante, ou seja, de cumprimento obrigatório para todos, como acontece, por exemplo, no caso das ações de declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade.
Mas se a decisão for no sentido da impossibilidade do cumprimento da pena após decisão condenatória de segunda instância, evidenciará uma superação pelo Plenário do STF da jurisprudência firmada em 2016, no julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44, nas quais, com eficácia vinculante (para todos), a mesma Corte decidiu em sentido contrário. E com base nessa mudança de entendimento do STF, haverá um inevitável incentivo aos magistrados de todo o País para que voltem a decidir no sentido da inconstitucionalidade da execução da pena criminal antes do transito em julgado da decisão condenatória.
b) se é válida a prisão de qualquer cidadão após condenação em tribunal de segunda instância?
Sim é válida e constitucional, segundo decidiu o STF no julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44, em decisão que, pela sua natureza, deveria ser seguida por todos os juízes do Brasil, inclusive pelos próprios Ministros do STF, em suas decisões individuais, nos termos do parágrafo segundo do art. 102 da Constituição da República.
2- A lei maior é a Constituição e todas as outras leis devem ser subordinadas a ela. O que diz a Constituição sobre esse tema?
O artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal é muito claro ao estabelecer que a presunção de inocência permanece até trânsito em julgado. Cabe, no entanto, ao STF interpretar os dispositivos constitucionais. E, até esta data, a interpretação conferida a esse dispositivo constitucional pelo Plenário da Corte Constitucional é no sentido de que essa garantia não impediria o início da execução da pena após a condenação criminal em segunda instancia.
3 - Se o STF já tinha decidido sobre prisão em segunda instância em 2016, por que agora vai discutir o assunto de novo?
As mudanças sucessivas, em verdadeiro "zigue-zague", da jurisprudência do STF sobre temas relevantes, como é o caso da possibilidade de prisão após o julgamento de segunda instância, é desestabilizadora e representa, no mínimo, uma afronta à segurança jurídica, que a Corte tem o dever constitucional de preservar. A estabilidade das decisões representa maturidade institucional, que deve ser buscada por todos os Tribunais que compõem o Poder Judiciário brasileiro.
4 - Se o STF decidir, no caso do Lula, que ele só deve cumprir pena após todos os recursos legais terem se esgotado, isso pode favorecer outros políticos denunciados por corrupção?
Não há dúvida que sim. A expectativa de prisão após a condenação criminal em segundo grau é o pesadelo dos políticos que respondem a ação penal pela prática de corrupção.
No entanto, ainda que o STF altere seu entendimento sobre o tema, por ocasião do julgamento do habeas corpus impetrado pelo Lula, ainda assim nada impede a decretação de prisões preventivas de políticos que respondam a processo criminal por corrupção, condenados ou não em segunda instância, desde que preenchidos os requisitos legais do art. 312 do Código de Processo Penal, como a garantia da ordem pública.
5 - Em caso de empate no STF, o que acontece?
O regimento interno do Supremo prevê, expressamente, que empates que ocorram no julgamento de habeas corpus e de recursos em habeas corpus devem sempre favorecer o réu. Trata-se da aplicação do princípio do in dubio pro reo (na dúvida, favorece-se o réu).
Em diversos casos de empates em habeas corpus, o STF sempre aplicou a regra do seu regimento Interno, que favorece o réu. Após a aposentadoria do ministro Cezar Peluso, em 31 de agosto, os dez ministros remanescentes do Supremo chegaram a seis empates durante o julgamento de seis itens da Ação Penal nº 470, que versava sobre o chamado Mensalão; e, diante do empate,as decisões que prevaleceram foram aquelas proferidas em favor dos réus.
6 - No momento, Lula poderia concorrer a presidente ou está inelegível?
O ex-presidente Lula, atualmente, é inelegível, em razão do disposto no art. 1º,I, letra "e" da Lei Complementar nº 64/90, a chamada Ficha Limpa, diante de sentença condenatória no TRF-4. Em outras palavras, Lula está privado de sua capacidade eleitoral passiva, que lhe permitiria concorrer a cargo eletivo.
E ai reside um aspecto relevante: o STF declarou a constitucionalidade dos dispositivos da Lei da Ficha Limpa, que atribuem grave consequência a condenação criminal de segunda instancia, a inelegibilidade. Ora, se a regra constitucional presume a inocência até o transito em julgado de decisão condenatória, como se poderia cogitar de que, antes do transito em julgado, o candidato venha a ser privado do seu direito de concorrer em pleitos eleitorais? Haveria, sem dúvida, uma incongruência conceitual e interpretativa.
7 - Se o Supremo negar o habeas corpus, o que deve levar à prisão de Lula, ele pode se registrar como candidato?
Surpreendentemente, a resposta é positiva. A legislação brasileira não impede réus presos de terem seus registro de candidatura indeferidos pelas Cortes Eleitorais, com fundamento nessa circunstância.
Nas eleições de 2016, por exemplo, o candidato a vereador Beto da Saúde (PSD) de Ibatiba, no Espírito Santo, fez campanha enquanto estava preso por improbidade administrativa e crimes de corrupção e foi, inclusive, o mais votado da cidade. Ele está exercendo o cargo para o qual foi eleito até hoje. Essa é uma das mudanças normativas mais prementes na imperfeita legislação eleitoral brasileira.
8 - Lula poderia se lançar candidato em agosto, quando começa a campanha, e ser substituído depois?
Lula, ainda que esteja preso, poderá apresentar, até 15 de acosto de 2018, ao Tribunal Superior Eleitoral requerimento de registro de candidatura. Esse requerimento, no entanto, deverá resultar na propositura de ação de impugnação de registro de candidatura pelo MP, outros candidatos, partidos políticos ou coligações.
O Tribunal Superior Eleitoral, no entanto, deverá indeferir o seu requerimento de registro de candidatura, diante do disposto no art. 1º, I, letra "e" da Lei Complementar nº 64/90, com a redação que lhe atribuiu a denominada Lei da Ficha Limpa. Ou seja, afirmará que Lula não preenche condição de elegibilidade, diante de sua condenação criminal pelo TRF-4.
A própria Lei da Ficha Limpa, no entanto, em dispositivo pouco divulgado, contempla uma alternativa ao candidato inelegível, por condenação imposta por Tribunal de segunda instância. Introduziu, na Lei Complementar nº 64/90, o art. 26 C, que autoriza os Tribunais Superiores, que julgarão futuro recurso do réu condenado em segundo grau, a deferir medida liminar para suspender a inelegibilidade do candidato, até o julgamento final de seu recurso.
Assim, diante da condenação de Lula pelo TRF-4, a sua defesa poderá apresentar requerimento de concessão de medida liminar, com base no referido art. 26 C da Lei Complementar nº 64/90, perante o STJ e/ou o STF, para que seja suspensa a sua inelegibilidade, até o julgamento final de seus recursos criminais. E se a Corte Superior considerar plausível as suas razões recursais, poderá, então conceder liminar e suspender a inelegibilidade do candidato.
Nesse caso, não restará ao TSE outra alternativa, senão a de deferir (com a ressalva que essa decisão decorre da vigência de liminar) o registro de candidatura do ex-presidente. Nesse caso, no entanto, o registro de candidatura poderá ser posteriormente desconstituído, se o recurso interposto por Lula contra a sua condenação criminal for rejeitado pela mesma Corte Superior que tenha lhe concedido a mencionada medida liminar.
9 - Se Lula conseguir um efeito suspensivo e registrar sua candidatura, em caso de vitória dele nas urnas, pode ser impedido de assumir ou continuar no cargo ou está livre de acusações?
Se Lula for eleito Presidente da República nas eleições que serão realizadas em 2018, só poderá exercer o cargo, em toda a sua plenitude e por todo o prazo do mandato, caso venha a ser absolvido da condenação que lhe foi imposta pelo TRF-4. Ou seja, se os recursos interpostos pelo ex-Presidente contra a referida condenação criminal forem providos pelo STJ ou STF.
Mas, além da posterior absolvição, Lula também precisará obter, nos Tribunais Superiores, medida liminar que suspenda, até o julgamento de seus recursos, a sua inelegibilidade, imposta pela condenação criminal no TRF4. Sem a obtenção da referida liminar, o TSE deverá indeferir o registro de candidatura de Lula, já que é inegável a sua atual condição de inelegibilidade.
É importante esclarecer que, se deferida liminar pelo STJ ou STJ, para suspender a pena de ilegitimidade que lhe foi imposta, por ocasião de sua condenação pelo TRF4, Lula poderá concorrer e até mesmo sagrar-se vencedor nas eleições de 2018, mas não estará assegurado o exercício do seu eventual mandato de Presidente da República.
Isso porque, o parágrafo segundo do art. 26 C da Lei Complementar nº 64/90 prevê a desconstituição do registro de candidatura ou mesmo da diplomação de candidato eleito, se for revogada liminar concedida ou rejeitado o recurso interposto pelo candidato contra a sua condenação criminal, definitivamente. Nessas circunstâncias, ele poderá ser impedido de tomar posse – se, antes de sua posse, a liminar concedida for revogada ou se seu recurso contra a condenação criminal for rejeitado pelo Tribunal Superior competente -- ou de exercer o cargo eletivo para o qual concorreu, se essas circunstâncias mesmas ocorrerem durante o exercício do mandado presidencial.
10 - Na hipótese de a eleição se realizar, com Lula, mas sua candidatura ser impugnada depois, quem assume?
Segundo a legislação eleitoral, os votos concedidos pelos eleitores a candidato que teve o seu registro de candidatura ou diplomação posteriormente cassados, são considerados nulos e, por conseguinte, fica invalidada a eleição.
Essa nulidade, é relevante esclarecer, abrange, de igual modo, o vice-presidente eleito na mesma chapa. Isso porque, em eleições majoritárias como as de presidente da república, senadores, governadores e prefeitos, as chapas são unitárias e indivisíveis. Assim, se são nulos os votos concedidos a uma determinada chapa Presidente/Vice-Presidente, esses votos não serão computados para nenhum de seus dois integrantes.
Fonte: https://justicaecidadania.odia.ig.com.br/colunas/justica-e-cidadania/2018/04/5528170-sob-pressao-supremo-julga-pedido-de-liberdade-do-ex-presidente-lula.html#foto=1
Nesse contexto, inédito no Brasil, seria preciso realizar uma nova eleição presidencial, com todos os altos custos envolvidos, notadamente em desfavor do Poder Público e, sobretudo, com a insegurança institucional ocasionada pela invalidação de pleito dessa relevância.