O IAB - Instituto dos Advogados Brasileiros manifestou preocupação, por meio de nota emitida nesta quarta-feira, 22, com a prática adotada no combate ao coronavírus de compartilhamento de dados de usuários da telefonia celular com o Poder Público, para monitorar o descumprimento do isolamento social e a formação de aglomerações.
No documento, assinado pela presidente nacional, Rita Cortez, e a presidente da Comissão de Direito Digital, Fernanda Sauer, o IAB afirma que “o compartilhamento, caso realizado de forma inadequada, poderá gerar consequências mais graves e permanentes do que a crise gerada pela pandemia”.
A instituição repudia a edição da MP 954/20, que obriga as operadoras de telefonia celular a compartilhar dados dos usuários com o IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. O órgão os utilizará na realização de entrevistas por telefone para produção de estatísticas, visto que, durante a pandemia, não haverá pesquisas domiciliares.
“Em nome da segurança e regularidade das ações, ao invés de baixar atos de legalidade e constitucionalidade duvidosas, como a MP 954, o IAB exorta o Poder Executivo a promover o mais rápido possível a estruturação da ANPD - Autoridade Nacional de Proteção de Dados, a fim de assegurar a plena efetividade da LGPD - Lei Geral de Proteção de Dados.”
Ainda em relação à questão, o Instituto criticou também o fato de não ter sido estruturado o CNPDP - Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade, outro órgão de assessoria previsto na LGPD, que entrará em vigor em agosto deste ano.
“A omissão do Poder Executivo na estruturação da ANPD e do CNPDP gera grave prejuízo à segurança jurídica, aos cidadãos, e às empresas brasileiras que deverão se adequar às novas exigências legais a partir da essencial orientação destes órgãos.”
Leia abaixo a nota na íntegra:
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O IAB manifesta sua profunda preocupação com a demora na estruturação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e do Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade (CNPDP), órgãos de assessoria e unidades necessárias à aplicação da Lei nº. 13.709, de 14 de agosto de 2.018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais - LGPD) que entrará em vigor em agosto de 2020.
Com a edição da MP 954 de 2020 a apreensão do Instituto só aumenta. Apesar da MP não resistir ao marco civil da internet, à legislação em vigor, fato é que caberá exclusivamente à ANPD adotar providências, ainda que em prazo exíguo, para aplicação de medidas COM SEGURANÇA, tais como promover consultas, audiências públicas, realizar análises de impacto regulatório e coordenar suas atividades com os órgãos e entidades públicas responsáveis pela regulação de setores econômicos e governamentais.
A Lei exige a construção de uma Política Nacional que dissemine o conhecimento sobre a proteção de dados e confira privacidade à população. A omissão do Poder Executivo na estruturação da ANPD (autoridade nacional) e do CNPDP (conselho nacional) gera grave prejuízo à segurança jurídica, aos cidadãos, e às empresas brasileiras que deverão se adequar às novas exigências legais a partir da essencial orientação destes órgãos.
O IAB também manifesta reservas às iniciativas de monitoramento do avanço do coronavírus, através do compartilhamento de dados de usuários de telefonia celular com o Poder Público. O compartilhamento, caso realizado de forma inadequada, poderá gerar consequências mais graves e permanentes do que a crise gerada pela pandemia do COVID 19. A ANATEL, sobre o compartilhamento, já se manifestou que eventuais coletas de dados deverão ter como baliza a LGPD, competindo ao Poder Público, enquanto a lei não entra em vigor, cuidar de sua observância em conformidade com a legislação já vigente e disposições previstas na Constituição Federal.
Em nome da segurança e regularidade das ações, ao invés de baixar atos de legalidade e constitucionalidade duvidosas, como a MP 954, o IAB exorta o Poder Executivo a promover o mais rápido possível, antes de agosto de 2020, a estruturação da ANPD, a fim de assegurar a plena efetividade da LGPD.
Conclama também que eventuais soluções de monitoramento do COVID-19 através do compartilhamento de dados pessoais possuam resultados auditáveis, com a indispensável transparência, promovendo-se a necessária harmonização dos direitos constitucionais à saúde e à privacidade, bem como viabilizando a fiscalização e controle da sociedade civil, em especial da classe jurídica, evitando-se que as consequências, neste momento caótico, resultem em danos e prejuízos permanentes.
Rio de Janeiro, 22 de abril de 2020.