O Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), por meio de nota assinada por sua presidente nacional, Rita Cortez, nesta quinta-feira (2/4), afirma que é inconstitucional a Medida Provisória 936/2020, referente ao Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, que prevê redução de salários e jornada de trabalho por meio de acordos individuais. De acordo com o IAB, “a MP viola incisos do artigo 7º, como o item IV, que impede a redução dos salários por via de acordos individuais, sendo possível somente por meio de acordo ou convenção coletiva de trabalho”.
Para o Instituto, a medida provisória, “ao repetir a mesma filosofia que orientou inúmeras alterações no Direito e no Processo do Trabalho, deixa de observar direitos e garantias fundamentais mínimos previstos na Constituição”. Ainda de acordo com a nota, a entidade “manterá seu posicionamento insurgente em face de atos e medidas jurídicas de urgência que não tenham como alicerce garantias e direitos sociais fundamentais assegurados na Constituição da República”.
Leia abaixo a íntegra da nota do IAB.
Nota pública do IAB sobre as medidas de urgência no combate à Covid-19
O Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), mais antiga casa de cultura jurídica das Américas e instituição defensora dos direitos humanos e das liberdades democráticas, fiel às suas determinações estatutárias, manifesta extrema preocupação com as medidas emergenciais lançadas ou propostas pelo Poder Executivo para enfrentar os impactos decorrentes do imprescindível isolamento da população, como barreira à expansão da Covid-19.
O primeiro compromisso do IAB é dedicar todos os esforços possíveis para salvar vidas, ajudando a difundir as determinações e orientações dos agentes sanitários e das autoridades públicas da área da saúde.
O IAB não poderia deixar de registrar, neste dramático contexto, que lamenta a inércia e o descaso por parte de algumas autoridades do governo federal na construção de estratégias imperativas, mas socialmente viáveis, de combate aos efeitos da pandemia na economia e nas relações de trabalho no País, evitando-se o crescimento da fome e da miséria, tão letais quanto a doença.
O IAB, como histórica instituição defensora da democracia, dos padrões mínimos civilizatórios e, sobretudo, do direito à vida, não admite ser possível conviver com condutas que pregam a aceitação da morte de seres humanos, em sua maioria, pobres e idosos, como tábua de salvação da economia, numa espécie de projeto nazifascista de limpeza étnica.
É objetivo fundamental da República, conforme o artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal, promover o bem-estar social e a segurança de todos, sem discriminações ou exclusões. Portanto, compete ao Estado brasileiro interferir nesta situação de evidente calamidade pública, de forma firme e responsável, injetando na economia os recursos financeiros necessários para garantir emprego e renda, em socorro aos setores que mais precisam de ajuda, tais como pequenas e médias empresas, desonerando-as e adotando uma perspectiva social e humana pautada, fundamentalmente, na observância da nossa Constituição Federal.
Contabilizando um universo de 40% de trabalhadores desempregados e colocados na informalidade, em razão de sucessivas alterações trabalhistas precarizantes, impõe-se a implantação imediata do projeto de lei 1.066/2020, que instituiu o programa de auxílio emergencial por três meses, no valor de R$ 600, para lhes dar, no mínimo, alguma sobrevida neste período mais agudo de isolamento social.
Para o IAB, a Medida Provisória 936/2020, referente ao Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, ao repetir a mesma filosofia que orientou inúmeras alterações no Direito e no Processo do Trabalho, deixa de observar direitos e garantias fundamentais mínimos previstos na Constituição. A MP viola incisos do artigo 7º, como o item IV, que impede a redução dos salários por via de acordos individuais, sendo possível somente por meio de acordo ou convenção coletiva de trabalho; e o item XXX, que proíbe a diferença de salários, por força do exercício de funções, e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil. O texto da MP faz prevalecer as tratativas individuais sobre as coletivas, evidentemente mais protetivas, e transfere nitidamente para os trabalhadores o ônus de suportar as consequências econômicas.
No âmbito das relações jurídicas privadas, o projeto de lei 1.179/20, que estatui um Regime Jurídico Emergencial e Transitório, não escapa às críticas quanto à legalidade e à pertinência de alguns dispositivos, inclusive no que diz respeito à implantação das regras previstas na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Por fim, em uma democracia onde todos os cidadãos têm direito à informação como forma de transparência pública, a MP 928, ao limitá-lo, coloca em risco um dos valores mais caros aos brasileiros: o estado democrático de direito.
O IAB fará tudo que estiver ao seu alcance para ajudar a sociedade a superar este momento difícil e sofrido para milhões de famílias. O Instituto, contudo, ressalta que manterá seu posicionamento insurgente em face de atos e medidas jurídicas de urgência que não tenham como alicerce garantias e direitos sociais fundamentais assegurados na Constituição da República.
Rio de Janeiro, 2 de abril de 2020.
Rita Cortez
Presidente nacional do IAB
FONTE: Rota Jurídica - 03/04/2020