Acusadas de propaganda eleitoral irregular, universidades são alvo de buscas
26/10/2018 – Pelo menos 17 universidades foram alvo de ações de fiscais de tribunais regionais eleitorais por supostamente fazerem propaganda eleitoral irregular. Os atos ocorreram no Rio de Janeiro, Paraíba, Pará, Minas Gerais, Ceará, Bahia, Rio Grande do Sul, Goiás e Mato Grosso do Sul.
Ao jornal O Globo, tribunais e juízes responsáveis por algumas das ordens informaram que estavam cumprindo a legislação eleitoral. No Rio de Janeiro, a juíza Maria Aparecida da Costa Bastos, da 199ª Zona Eleitoral (Niterói) do TRE-RJ, determinou a imediata retirada de uma faixa com os dizeres “UFF Antifascista” da fachada do prédio do curso de Direito da Universidade Federal Fluminense. Ela decidiu ainda que o diretor da instituição responderia criminalmente caso não cumprisse o pedido.
Segundo o jornal Folha de S.Paulo, a decisão judicial, proferida após 12 denúncias recebidas contra a faixa, diz que ela teria “conteúdo de propaganda eleitoral negativa contra o candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro (PSL)”.
Na Paraíba, alunos e professores da universidade estadual afirmaram que há dois dias fiscais do TRE e policiais questionaram o conteúdo dado nas aulas. Também foi alvo um evento organizado por alunos “em defesa da democracia”.
Segundo o juiz que autorizou as medidas, Horácio Ferreira de Melo Júnior, a ação foi para impedir atos políticos nas universidades, uma vez que a lei proíbe política partidária nesses locais.
Quanto ao “manifesto em defesa da democracia”, o juiz afirmou que ele fazia campanha em favor do candidato Fernando Haddad (PT). O documento não faz referência a nenhum candidato ou partido. Nele, os professores elencam dez pontos que defendem, que vão desde a “liberdade de ensino e pesquisa” à “estabilidade dos servidores públicos” e à “valorização docente”.
A Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro emitiu nota acusando a Justiça Eleitoral de censurar a livre expressão, além de agressão à autonomia universitária. “A manifestação livre, não alinhada a candidatos e partidos, não pode ser confundida com propaganda eleitoral”, diz a nota.
“Quaisquer restrições nesse sentido, levadas a efeito, sobretudo, por agentes da lei, sob o manto, como anunciado, de ‘mandados verbais’, constituem precedentes preocupantes e perigosos para a nossa democracia, além de indevida invasão na autonomia universitária garantida por nossa Constituição”, complementou a OAB-RJ.
O Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) também repudiou as “invasões e atos repressivos” em universidades públicas por parte de agentes policiais que, “sem mandados formais, alegam verbalmente cumprir ordens de alguns tribunais eleitorais”. Para o IAB, “não se pode confundir manifestação de opinião, direito de reunião e associação — princípios universais consagrados na Constituição Federal — com propaganda eleitoral”.
Constituição violada
Desembargador aposentado e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Geraldo Prado afirma que as decisões dos TREs violam a Constituição Federal.
“Todas elas, apesar do esforço retórico que não consegue superar a garantida autonomia universitária e a liberdade de pensamento e expressão, são idênticas em forma e conteúdo aos termos e procedimentos previstos no Decreto-Lei 477, de fevereiro de 1969”.
O Decreto 477 ficou conhecido como o AI 5 das Universidades e foi editado pelo general presidente Costa e Silva com o propósito de proibir e punir manifestações políticas nas instituições de ensino que contrariassem a ditadura.
Com base nele, alunos, professores e funcionários foram perseguidos e sumariamente punidos, com seus procedimentos tendo servido de base para a instauração de inquéritos policiais e a prisão de supostos comunistas.
“Ao mandar policiais invadirem as universidades e arrancarem faixas contra o fascismo, os juízes do TRE cometeram grave infração contra a Constituição e afrontaram a democracia. Ao ameaçarem de prisão os diretores das faculdades, estes magistrados equipararam-se, desafortunadamente, a Costa e Silva, que invocava suas ‘boas razões de ordem pública’ para livrar as universidades do contágio do pensamento subversivo que pregava liberdade e combatia o fascismo”, complementou.