OPINIÃO

CONSÓCIOS

Segunda, 16 Agosto 2021 14:44

Redução do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros: inconstitucionalidade do PDL nº338/2021

Tramita perante a Câmara dos Deputados o Projeto de Decreto Legislativo nº 378/2021 cujo objetivo é sustar o Decreto de 5 de junho de 2017 que ampliou o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros [PNCV], localizado nos Municípios de Alto Paraíso de Goiás, Cavalcante, Nova Roma, Teresina de Goiás e São João da Aliança, Estado de Goiás.  O parque foi criado pelo Decreto nº 49.875, de 11 de janeiro de 1961, com o nome de Parque Nacional do Tocantins. Conforme informações do ICMBIO, o parque é responsável pela proteção de uma área de 240, 61 hectares de cerrado de altitude, abrigando   espécies e formações vegetais únicas, centenas de nascentes e cursos d’água, rochas com mais de um bilhão de anos, além de paisagens de rara beleza, com feições que se alteram ao longo do ano . Em reconhecimento ao seu elevado valor ecológico, a UNESCO o reconhece como Patrimônio Natural da Humanidade, desde 2001 . 

As dimensões atuais do PNCV foram estabelecidas pelo Decreto de 5 de junho de 2017, com o objetivo de (1) aumentar a representatividade de ambientes protegidos; (2) garantir a perenidade dos serviços ecossistêmicos; (3)  contribuir para a estabilidade ambiental da região onde se insere; e  (4)  proporcionar o desenvolvimento de atividades de recreação em contato com a natureza e do turismo ecológico. Dos 4 (quatro) motivos determinantes para a ampliação, 3 (três) claramente dizem respeito à proteção do próprio ecossistema que deu azo à formação da Unidade de Conservação [UC] em 1961.  Parece ser evidente que, cerca de 60 (sessenta) anos após a criação da UC, diversas atividades deletérias para a área protegida estão mais próximas do parque, exigindo medidas mais amplas de proteção. 

O novo perímetro do PNCV foi contestado perante o Supremo Tribunal Federal pelo Mandado de Segurança 35.232/DF, relator o Ministro Nunes Marques , sob o argumento fundamental de que as consultas públicas previstas na Lei nº 9.985/2000 (artigo 22) que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação [SNUC], regulamentada pelo Decreto nº 4340/2002 ( artigos 4º e 5º ) que, na prática, limitou-se a reproduzir os termos da lei, não foram realizadas em todos os municípios nos quais os limites do PNCV estão inseridos.  Em função disto, os impetrantes argumentaram que a real regulamentação da matéria se deu pela Instrução Normativa nº 5/2005 do ICMBIO que, em seus entendimentos é nula de pleno direito. A segurança foi denegada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal. Há, todavia, um importante trecho na decisão do Ministro Nunes Marques, relativo à superposição de UC, que merece transcrição: O ato federal de ampliação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros é mais protetivo ao meio ambiente do que aquela proteção dada pelo ente estadual (área de proteção ambiental – APA), que é unidade de conservação de uso sustentável constante do art. 14, inciso I, da Lei nº 9.985/2000 e que lhe atribui proteção digna das Unidades de Conservação do Grupo das Unidades de Proteção integral, o que apenas lhe foi dado graças ao ato impugnado.

Pois bem, o PDL 338/2021 tem como fundamento o fato de que “Ao ampliar demasiadamente a área, entendemos que o Presidente da República exorbitou de seu Poder Regulamentar, em virtude do aumento da área quase quatro vezes maior que os limites anteriormente estabelecidos. Assim, o Chefe do Poder Executivo se enquadra no art. 49, V, primeira parte, da Constituição da República, o que justifica a sustação do Decreto. ”  

Com efeito, o PDL 338/2021 afronta diretamente o inciso III do § 1º do artigo 225 da Constituição Federal, o qual estabelece que a “alteração e a supressão” de espaços territoriais especialmente protegidos somente serão permitidas “através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção”, ou seja há uma expressa proibição de que sejam alterados ou suprimidos sem a existência de uma lei formal prévia.  O Decreto Legislativo, previsto no artigo 49, VI da Constituição Federal não tem a natureza de lei, pois conforme estabelecido pela própria Constituição Federal, somente as Medidas Provisórias têm força de lei e, assim mesmo, com clara limitação temporal (C.F. artigo 62 e § 3º). Na escala do processo legislativo (C.F. artigo 59), os Decretos Legislativos estão hierarquicamente, abaixo das Medidas Provisórias , pois têm como objeto manter o Poder Executivo dentro de seus limites constitucionais.  Logicamente, a ampliação de uma UC somente se mostra exorbitante do poder regulamentar se os motivos que deram margem à ação executiva não forem legais, ou se a legalidade foi violada. A recente decisão do STF demonstra que não foi o caso. 

A posição topográfica dos Decretos Legislativos se justifica, na medida em que eles têm por objetivo evitar que o Poder Executivo extrapole de suas atribuições regulares, fazendo-o retornar aos quadros da legalidade constitucional vigente.  A sua natureza é sustar atos administrativos e, portanto, possuem igual natureza dos atos sustados. O Decreto Legislativo é um decreto (ato regulamentar) editado pelo Legislativo que, ao fazê-lo, impõe limites à atuação do Executivo, ainda que não possa dispor sobre a matéria.

No caso da criação ou ampliação de UCs, o ato do Executivo tem uma natureza sui generis, pois condicionado legalmente à realização de estudos prévios e à realização de consultas públicas, o que lhe outorga complexidade e, em alguma medida, vinculação. Logo, o desfazimento unilateral por parte do Executivo de um decreto que criasse ou ampliasse uma UC seria, ipso iure, uma violação do caput do artigo 225 da Constituição Federal, pois afrontaria o mandamento constitucional de preservar e defender o meio ambiente na atualidade e para o futuro. Não foi por outro motivo que o Constituinte, de forma enfaticamente redundante, determinou no inciso III do § 1º do artigo 225 que somente lei poderia alterar o perímetro de UC. Mas, o Constituinte foi além, a própria lei padece limitações, pois não poderá alterar ou suprimir os atributos que justifiquem a proteção outorgada a determinado espaço territorial.
Acrescente-se que, o STF tem entendimento no sentido de que a exigência de lei formal para a alteração ou supressão de UC é de tal ordem que as Medidas Provisórias não podem dispor sobre a matéria:

As medidas provisórias não podem veicular norma que altere espaços territoriais especialmente protegidos, sob pena de ofensa ao art. 225, inc. III, da Constituição da República. As alterações promovidas pela Lei 12.678/2012 importaram diminuição da proteção dos ecossistemas abrangidos pelas unidades de conservação por ela atingidas, acarretando ofensa ao princípio da proibição de retrocesso socioambiental, pois atingiram o núcleo essencial do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado previsto no art. 225 da Constituição da República. [ADI 4.717, rel. min. Cármen Lúcia, j. 5-4-2018, P, DJE de 15-2-2019.

Ora, se as Medidas Provisórias não podem dispor sobre o tema, com muito mais razão, os Decretos Legislativos estão impedidos de tratar a matéria, pois a sua natureza é meramente administrativa, não se confundindo com o conceito de lei presente no inciso III do § 1º do artigo 225 que é formal. Não bastassem tais argumentos jurídicos, fato é que o PDL 338/2021, limita-se a argumentar com o prejuízo causado a pequenos agricultores como fundamento para a sustação do Decreto de 05 de junho de 2017. Com efeito, não se pode deixar de registar que, de fato, há necessidade de que, quando da criação de UCs ou de suas ampliações, os processos indenizatórios sejam feitos de forma célere e com valores justos e, inclusive, que sejam estudados modelos que minimizem os custos para o Estado e para as comunidades afetadas, sendo reduzir a proteção ambiental. 

Por Paulo de Bessa Antunes
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