OPINIÃO

CONSÓCIOS

Terça, 14 Julho 2020 14:35

A vez da legítima liberdade de expressão

Daqui a alguns anos, com o devido distanciamento histórico, o momento atual das plataformas digitais será visto como o início de nova etapa na história da Internet. Nas últimas semanas se intensificaram no mundo as discussões envolvendo a responsabilização das plataformas e seu papel na propagação de informações e notícias.

As Fake News e o movimento #stophateforprofit são reflexos do novo e necessário olhar que a sociedade e as empresas passaram a ter sobre o compromisso das plataformas em oferecer um ambiente de navegação saudável e transparente. Essa discussão veio para ficar e com ela a remuneração aos veículos de comunicação e titulares de conteúdos jornalísticos, respeito aos direitos intelectuais e estabelecimento de responsabilização, já que a sociedade demonstra não mais tolerar o julgamento de Pilatos desses enormes conglomerados econômicos. O encanto e arrogância acabaram.

Nos últimos 20 anos as grandes plataformas digitais (Google, FB, You Tube, Amazon, Twitter, WhatsApp etc.) se desenvolveram sem interferência e na condição de portos seguros como livres canais de distribuição de informação e conteúdos. Essa etapa permitiu que a rede alcançasse a capilaridade mundial que conhecemos, conectando pessoas e nações, encurtando distâncias e permitindo ativismo social jamais visto. Durante esse período sempre que houve alguma dúvida sobre suas responsabilidades por disseminar ódio, violações de direitos individuais ou de propriedade intelectual a reação contrária era massiva e sempre agarrada ao cerceamento da liberdade de expressão.

O salvo conduto, por um lado, tornou positivamente a Internet indispensável em nossas vidas e, por outro, permitiu a construção de discursos de ódio, intolerância e contrários aos princípios civilizatórios da humanidade, que cresceram ao ponto de interferir no futuro de nações e fragilizar a Democracia. As plataformas que propunham somente ações positivas passaram a gerar impactos nocivos, alguns deles responsáveis pela destruição de relações sociais e feridas profundas no Estado Democrático de Direito.

Mesmo que revelado o lado perverso dessas ferramentas, elas insistem que não podem ser constrangidas ou sofrerem interferência normativa, pois significaria anuir com a violação da liberdade de expressão. Entretanto, a verdade escondida por trás desse discurso politicamente correto é outra: impedir que se discuta responsabilidades! A coitada da liberdade de expressão vem sendo utilizada para combater a recente Diretiva de Direitos Autorais da União Europeia; a implantação de mecanismos de controle dos conteúdos; a remuneração das empresas jornalísticas; e agora mecanismos de inibição das Fake News.

O PL das Fake News, aprovado pelo Senado na última semana, severamente criticado pelas plataformas sob o mesmo e cômodo argumento de violação à liberdade de expressão, tem por finalidade instaurar esse debate democrático no Brasil, já adiantado na Europa, sob pena de perdermos o bonde da história. Alguns, com amplo espaço na imprensa, arguem que bastaria o “follow the money” e não “cercear” as plataformas. Perseguir o dinheiro é importante, mas não suficiente, pois o caminho do dinheiro passa pela cooperação das plataformas e sua responsabilização caso sejam negligentes com a propagação de mentiras, ódios, e violação aos valores humanos e democráticos. O PL pode e deve ser aprimorado no processo legislativo, mas jamais simplesmente rejeitado como se fosse um estorvo legal, pois isso seria covarde casuísmo. Vamos ao franco debate! É chegada a hora da liberdade de expressão retomar sua origem constitucional de defesa do indivíduo, dos direitos humanos e da democracia, afastando-se dos interesses de megacorporações, com conceitos empresariais próprios e exclusivamente econômicos.
Sydney Sanches - Presidente da Comissão Nacional de Direito Autoral da OAB e 2º Vice-Presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB

Leia o artigo também no O Globo
https://oglobo.globo.com/opiniao/a-vez-da-legitima-liberdade-de-expressao-24518471

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