“É preciso enquadrar qual trabalhador especificamente estamos falando neste artigo. É o hipossuficiente, aquele que atua por contrato de trabalho, ou o que atua por conta própria? Isso precisa ser muito bem enquadrado porque, do contrário, haverá problemas quando a questão chegar ao Poder Judiciário”, disse a juíza. Ela explicou que a proposta e os substitutivos apresentados a ela usam indiscriminadamente termos com sentidos distintos. “Quem pesquisa no projeto vê ao longo do texto o uso das palavras ‘trabalho’, ‘trabalhador’ e ‘emprego’ em uma mistura terminológica. É preciso mais cuidado na redação final”, completou Medeiros.
O PL 2.338/23, que regula o uso da IA, é de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e teve origem no trabalho da Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial no Brasil (CTIA). De acordo com a 3ª vice-presidente do IAB, Ana Amélia Menna Barreto, que abriu o evento, a medida está perto de ser votada no Senado e depois será encaminhada para a Câmara dos Deputados para seguir com a tramitação, que envolveu a adição de substitutivos e emendas à redação original.
Menna Barreto, que também preside a Comissão que trata do tema no Instituto, destacou que a realização do debate “demonstra o comprometimento da instituição com o assunto e a disposição em trabalhar para compartilhar conhecimento com a comunidade jurídica”. A discussão também contou com a participação dos advogados Alexandre Mattos, Bernardo Gicquel, José Luiz Pimenta e Valéria Ribeiro, todos membros da Comissão de Inteligência Artificial e Inovação do IAB.
Na visão de Valéria Ribeiro, os legisladores deveriam trazer ao projeto a questão do constitucionalismo digital, que leva os valores fundamentais da Carta Magna para o contexto da internet. Ela explicou que essa ação ajudaria a evitar que terminologias equivocadas trouxessem como consequência colisões entre direitos estabelecidos. “Na sessão sobre o direito das pessoas afetadas pela IA, vemos a sugestão de um programa de compliance voltado para a ética, mas muitas terminologias também não estão sendo técnicas”, justificou ela.
Outro tema debatido no evento foi o tratamento da responsabilidade civil na redação do PL. Segundo Bernardo Gicquel, alguns artigos do último substitutivo apontam que os ganhos adquiridos por sistemas de IA explorados permanecem sujeitos às regras de responsabilidade previstas no Código Civil. “Sabemos que o Código Civil está sendo atualizado, então estamos falando de uma legislação que define o tema jogando para outra legislação. A minha crítica é que isso pode resultar em um arcabouço jurídico complexo. Vamos acabar começando a legislação de IA transferindo regras e sem algumas definições básicas”, criticou o advogado.
No âmbito do Direito da Saúde, Alexandre Mattos apontou que é preciso entender quais serão os impactos do uso da inteligência artificial em temas complexos, como a luta contra a morte. Usando o exemplo de um paciente em coma, ele apontou que a indústria farmacêutica pode tentar usar novas tecnologias sem a devida criação de parâmetros: “Esse paciente pode ser usado como cobaia e não teremos acesso ao código fonte do sistema utilizado. A família, querendo que ele seja salvo, pode acabar deixando que tudo seja feito. Até porque acredita-se que a IA pode fazer tudo e a humanidade está se acostumando com ela de tal forma que não a questiona mais”.
Com uma visão mais otimista, José Luiz Pimenta afirmou que o projeto de lei está bem encaminhado no que se refere ao contexto de aplicação de regras para o uso da IA. “Os dilemas de ‘homem versus máquina’ estão preservados. Um bom exemplo, do ponto de vista do Direito da Saúde, está posto no conhecimento prévio sobre o nível de interação que a pessoa terá com a IA. Sabendo disso, o paciente poderá decidir o nível de assistência que quer. E essa preocupação é interessantíssima”, defendeu o advogado.