O tema foi enfrentado pelas Comissões dos Direitos da Mulher, de Direito Constitucional, de Criminologia e de Direito Penal. De acordo com os grupos, a proposta legislativa representa um retrocesso aos avanços civilizatórios e às conquistas femininas.
Relatora pela Comissão de Direito Constitucional, Leila Bittencourt afirmou que a medida viola a dignidade da pessoa humana, garantida na Carta Magna, por submeter a mulher estuprada que abortar após 22 semanas de gestação à pena de homicídio, e a menina na mesma situação ao afastamento de sua família para cumprir medida educativa. “O projeto em tela é dirigido especialmente a elas ao vedar o exercício do direito previsto em lei com a proibição do procedimento, propiciando riscos graves à saúde e à vida, em afronta aos direitos protegidos na lei”, defende a advogada.
Segundo Bittencourt, o PL também viola a Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento do Ministério da Saúde, que estabelece normas para o atendimento às vítimas de violência sexual. São elas: “A autonomia, entendida como o direito da mulher de decidir sobre as questões relacionadas ao seu corpo e à sua vida; a beneficência, ou a obrigação ética de se maximizar o benefício e minimizar o dano; a não maleficência, pois a ação deve sempre causar o menor prejuízo à paciente, reduzindo os efeitos adversos ou indesejáveis; a justiça ou imparcialidade da(o) profissional de saúde, que deve evitar que aspectos sociais, culturais, religiosos, morais ou outros interfiram na sua relação com a mulher”.
De acordo com o parecer elaborado pelas Comissões de Criminologia e de Direito Penal, que tiveram relatoria dos consócios Leonardo Isaac Yarochewsky e Vera Regina Pereira de Andrade, o projeto de lei apresenta desequilíbrio entre danos e benefícios em sua aplicação. “Ainda que se argumente que a proposta atende ao objetivo pretendido de proteger a vida do nascituro, ela deixa de satisfazer as outras duas dimensões da proporcionalidade, uma vez que, ao criminalizar meninas e mulheres com penas extremamente altas e superiores aos dos agressores, configura medida excessiva, com maiores danos, do que benefícios”, diz o texto.
Leonardo Isaac Yarochewsky
Apresentado ao plenário por Leonardo Yarochewsky, o parecer também destaca que o projeto viola a recomendação do Comitê dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o tema. O órgão indica que os Estados Partes propiciem o acesso ao aborto seguro às meninas, quando não for proibido por lei. “Para além de um controle de inconstitucionalidade, é necessário o controle de convencionalidade das normas, razão pela qual o projeto não deve ser aprovado”, argumentou ele.
Valéria Sant’Anna
Na visão das relatoras da Comissão dos Direitos da Mulher, Valéria Sant’Anna e Rita Cortez, o projeto é um “estratagema político que trama, com desumanidade e perversidade, contra mulheres e crianças”. Sant’Anna, que apresentou a análise, ressaltou que a proposta contraria também a Declaração de Pequim, na qual os países subscritos se comprometeram a combater obstáculos ao avanço feminino. “O texto estabelece que a saúde reprodutiva se caracteriza como ‘a capacidade de desfrutar de uma vida sexual satisfatória’, com a liberdade de optar ‘quando e com que frequência procriar’”, destacam as relatoras.
Marcia Dinis
A autora da indicação que deu origem às análises, Marcia Dinis, apoiou os posicionamentos firmados pelos pareceristas e sublinhou que o IAB se mantém atuante na defesa dos direitos humanos. “Por essa razão, tenho muito orgulho de fazer parte do Instituto, que sempre se coloca firme nos momentos necessários. É para isso que estamos aqui: defender a dignidade da pessoa humana, os direitos humanos e o Estado Democrático de Direito”, afirmou a advogada.