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Quinta, 16 Maio 2019 17:55

Ministro Sebastião Reis diz que ‘avalanche de HCs’ se deve também à prisão em segunda instância

Da esq. para a dir., Ana Tereza Basílio, Sebastião Reis, Rita Cortez, Marcio Barandier e Frederico Price Grechi Da esq. para a dir., Ana Tereza Basílio, Sebastião Reis, Rita Cortez, Marcio Barandier e Frederico Price Grechi
“O Direito Penal está sendo visto, infelizmente, como a solução para todos os problemas”, afirmou o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Sebastião Reis, nesta quarta-feira (15/5), no plenário do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), em palestra sobre o tema Habeas corpus nos tribunais superiores. Segundo o ministro, “a avalanche de habeas corpus se deve, dentre várias razões, também à decisão do Supremo Tribunal Federal que autorizou a execução provisória da pena de prisão, após a confirmação da sentença condenatória pela segunda instância”. A palestra foi proferida no Seminário em homenagem ao ministro Sebastião Reis, organizado pelas comissões de Direito Agrário e Urbanístico, presidida por Frederico Price Grechi, e de Direito Penal, sob a presidência de Marcio Barandier. O evento foi aberto pela presidente nacional do IAB, Rita Cortez, que elogiou o “desempenho exemplar” do magistrado no STJ e destacou “a observância permanente, pelo ministro, das leis e da Constituição Federal”. O presidente da OAB/RJ, Luciano Bandeira, e a diretora-secretária do IAB, Ana Tereza Basílio, também integraram a mesa de abertura.
Sebastião Reis agradeceu a homenagem, mas fez questão de frisar que ela é extensiva a “todos os juízes que se dedicam a julgar de acordo com as suas consciências”. Sobre o tema de sua palestra, o ministro disse que o excesso de habeas corpus nos tribunais superiores é decorrente também de “uma preocupação justa dos advogados, de tentar evitar que seus clientes tenham que começar a cumprir a pena antes do trânsito em julgado da sentença”. Sebastião Reis, porém, ressaltou que o grande volume de habeas corpus não pode ser atribuído exclusivamente ao Poder Judiciário. “Todos temos a nossa parcela de culpa, pois são verificados abusos por parte da advocacia, do Ministério Público e da Defensoria Pública”, afirmou. “Há erros de todos os atores desse processo”, acrescentou.

 O ministro do STJ Sebastião Reis

80 mil decisões – Segundo o ministro, que lembrou sua atuação como advogado por 25 anos, antes de ingressar no STJ, em 2011, “muitas vezes, o advogado reitera o habeas corpus negado, na tentativa de ter mais sorte com um novo relator”. Em relação ao MP, Sebastião Reis disse que “há abusos na proposição de ações penais, com excesso acusatório, principalmente em relação aos crimes de natureza tributária”. O ministro criticou, também, a falta de estrutura do Judiciário para atender ao grande volume de demandas. De acordo com ele, em 2018, o STJ teve que analisar mais de 54 mil pedidos de habeas corpus. “Nos meus oito anos no STJ, já proferi mais de 80 mil decisões, sendo possível, com tamanho volume de processos, que tenha cometido erros”.

Após a palestra, o tema foi debatido pelo criminalista e ex-presidente do IAB Técio Lins e Silva e pela advogada Anna Carolina Noronha, tendo como presidente da mesa a advogada Joana D´arc Amaral Bortone. “Vivemos, hoje, no Estado policialesco, com ilegalidades cometidas pelas instâncias inferiores, que precisam ser corrigidas pelos tribunais superiores, já que a pena está sendo cumprida antes da condenação”, afirmou a advogada. Para Técio Lins e Silva, “o HC é um instrumento fundamental para a cidadania e tem o objetivo de evitar imediatamente uma ilegalidade, razão pela qual a ditadura militar o suspendeu”.

Concorrência de culpa – De acordo com o criminalista, “a impetração de habeas corpus decorre de denúncias ineptas do Ministério Público, que são acolhidas pelo Poder Judiciário, caracterizando uma concorrência de culpa”. Para o ex-presidente do IAB, “a advocacia brasileira conta, cada vez menos, com juízes que devem ser reverenciados”. Técio Lins e Silva disse, ainda, que “o ministro Sebastião Reis é um exemplo de respeito aos princípios que ajudaram a construir a civilização universal”.

 Da esq. para a dir., Técio Lins e Silva, Joana D´arc Amaral Bortone e Anna Carolina Noronha

O seminário foi marcado também por palestras e debates sobre Reforma da Lei de Drogas, Projeto de lei anticrime do governo federal e Colaboração premiada e novos meios de investigação. O desembargador Paulo Baldez, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), criticou a “criminalização da advocacia”, ao iniciar sua palestra no painel sobre Reforma da Lei de Drogas, presidido pela advogada Mônica Góes. Para o magistrado, “a quebra de sigilo dos advogados é um absurdo que ofende, inclusive, o princípio da ampla defesa”.

Paulo Baldez condenou as medidas de combate às drogas adotadas nas últimas décadas. “É uma política de guerra, que tem resultado no extermínio de jovens das comunidades mais pobres e no aumento crescente da população carcerária brasileira, que hoje é a terceira maior do mundo, com mais de 726 mil presos, atrás somente dos EUA e da China”, afirmou.

Tempos sombrios – Ainda de acordo com Baldez, “30% dos presos foram encarcerados pelos crimes de tráfico ou associação com o tráfico, e 40% dos presidiários não têm sequer condenação”. Para o desembargador, a solução é “a adoção de políticas públicas, como instrumento de prevenção ao crime”. Ao debater o tema, a advogada Kátia Tavares, membro da Comissão de Direito Penal do IAB, disse: “Estamos vivendo tempos sombrios, de regresso à barbárie, pois os governos insistem numa política bélica fracassada, que está exterminando a população negra, jovem e vulnerável”.

 Paulo Baldez, Mônica Góes e Kátia Tavares

No painel de seguinte, dedicado ao Projeto de lei anticrime do Governo Federal, tendo como presidente da mesa o advogado Ricardo Pieri, 2º vice-presidente da Comissão de Direito Penal, a palestra foi feita pelo ex-presidente do IAB Fernando Fragoso. “O anteprojeto, de caráter punitivista, foi redigido imperialmente pelo ministro da Justiça, sem submetê-lo à discussão com a sociedade”, criticou o criminalista.

Segundo ele, o texto apresenta uma série de violações constitucionais, como a que fere o princípio da presunção da inocência. “Se for aprovado, teremos a maior população carcerária do mundo, visto que, além dos mais de 700 mil presos, há 300 mil mandados de prisão a serem cumpridos”, alertou o advogado, que criticou “a ausência no anteprojeto de medidas de prevenção destinadas a desestimular os jovens a ingressarem na criminalidade”.

Legítima defesa – O assunto foi debatido pela desembargadora federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) Simone Schreiber. “Me preocupa a ampliação das hipóteses de situações para a legítima defesa prevista no anteprojeto”, disse a magistrada. Ela informou que, somente nos cinco primeiros meses deste ano, 434 pessoas foram mortas em ações policiais realizadas no Rio de Janeiro, superando o total de 368 casos registrados no estado em todo o ano de 2018. Simone Schreiber criticou, também, o fato de que “o anteprojeto parte da premissa, equivocada, de que o endurecimento das penas de prisão irá diminuir a criminalidade e melhorar a segurança pública”.

 Da esq. para a dir., Sebastião Reis, Fernando Fragoso, Ricardo Pieri, Simone Schreiber e Marcio Barandier

Colaboração premiada e novos meios de investigação foi o tema do último painel, presidido pela advogada e diretora do IAB Marcia Dinis. Na sua palestra, o criminalista e secretário-geral do IAB, Carlos Eduardo Machado, falou sobre as alterações na aplicação do Direito Penal após a deflagração da Operação Lava Jato, em 2014. “Muito do que ocorreu a partir da operação se deveu ao fato de o STF não ter tomado medidas imediatas para conter ilegalidades, como as conduções coercitivas, que visavam a colher depoimentos de acusados, sem a presença dos seus advogados, cerceando o direito de defesa, com o objetivo de forçá-los à delação premiada”, afirmou. Segundo Carlos Eduardo Machado, “ao declarar, em 2018, a inconstitucionalidade da medida, o Supremo, enfim, trouxe novos ares para o Direito Penal”.

O criminalista criticou, também, a dimensão dada à delação premiada. “Não é meio de prova, mas uma técnica de investigação”, disse. Segundo ele, “a lei diz que nenhuma sentença condenatória será proferida tendo como base somente declarações obtidas por meio da colaboração premiada”. O advogado, porém, reconheceu benefícios gerados pela delação premiada. “Como os crimes empresariais são de difícil elucidação, a colaboração, realmente, potencializa a persecução penal, ao reduzir a pena e promover o desencarceramento dos acusados”, afirmou.

 Da esq. para a dir., Sebastião Reis, Fabrício Fernandes, Marcia Dinis e Carlos Eduardo Machado

Culpabilidade – Carlos Eduardo Machado, contudo, fez críticas à quebra do princípio da culpabilidade provocada pela aplicação da medida. “Quanto mais envolvimento do acusado em crimes, maiores são as suas chances de ganhar benefícios, como, por exemplo, pena menor ou prisão domiciliar, por ter muitas informações para fornecer em delação premiada; enquanto aquele que cometeu menos crimes recebe uma punição maior, por dispor de menos informações para oferecer aos investigadores”, explicou.

A questão foi debatida pelo juiz federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro Fabrício Fernandes, para quem “os novos mecanismos de busca de prova diminuem os custos das investigações, além de lhe conferir mais eficiência”. O magistrado tratou também dos abusos na persecução penal e ressaltou que todos devem assumir as suas responsabilidades: “A imparcialidade não é um dever somente do juiz, mas de todos os operadores do Direito, que devem igualmente buscar a melhor justiça”.
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