A escritora ressaltou que, dentro das violências direcionadas a jovens negros, aquelas que têm como alvo menores infratores são ainda mais invisíveis. Torturado e morto por agentes do Degase em 2008, Andreu faz parte desse grupo silenciado. “Independente de ter cometido atos infracionais, meu filho estava sob tutela do Estado. Eu seria punida de forma contundente se maltratasse e torturasse ele, mas e quando o opressor é o próprio sistema?”, questionou. Segundo Deize, a estrutura racista e desigual da sociedade não vitima apenas esses jovens, mas também as mulheres que vêem seus filhos morrerem: “O Poder Judiciário precisar acordar para essa realidade”.
Da esq. para dir., José Agripino Oliveira, Alexandre Dumans, Marcia Dinis, Adriana Brasil Guimarães, Deize Carvalho, Marcela Amaral e Paulo Fernando de Castro
Na abertura do evento, a 2ª vice-presidente do IAB, Adriana Brasil Guimarães, elogiou a publicação e destacou que o livro provoca várias reflexões sobre a violência que oprime a juventude negra. “Deize é um caminho para aqueles que perdem seus entes queridos dessa forma. Essa luta vai continuar e não vai deixar o Brasil esquecê-los”, disse a advogada. Diretora de Biblioteca do Instituto, Marcia Dinis afirmou que a obra emociona e traz ao debate casos que se perdem nos noticiários brasileiros: “O Estado tem esse objetivo de fazer com que essas situações se percam, porque para ele vidas negras e pobres não importam. É exatamente para mostrar o contrário que a Deise escreve”.
Dinis também ressaltou que muitos crimes desse tipo ficam impunes porque são tidos como “auto de resistência”, termo usado para alegar que o assassinato é fruto de reação do suspeito e legítima defesa policial. A justificativa foi usada no caso de Maicon da Silva, morto em 1996 na favela de Acari, no Rio de Janeiro. A vítima, no entanto, tinha dois anos de idade. “Falta um ano e seis meses para o crime caducar e eu vou morrer com a fama de que meu filho trocou tiro”, disse o pai do menino, José Luís da Silva.
José Luís da Silva
Também participaram do lançamento o membro da Comissão de Criminologia do IAB Alexandre Dumans, o secretário-geral da Comissão de Direitos Humanos do IAB, Paulo Fernando de Castro, os advogados criminalistas Felipe Braga e Marcela Amaral, e o consócio do IAB e presidente da Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária da OAB/RJ, José Agripino Oliveira.
Elogiando a autora do livro, Marcela Amaral sublinhou que o objetivo da publicação dos relatos é trazer a sociedade para esse debate: “É impressionante ver como alguém que perdeu seu filho tem essa força. A vida dele já foi perdida, mas a luta pode ajudar outras famílias a não passar por esse sofrimento”. Paulo Fernando de Castro destacou que os advogados podem e devem se juntar à causa para combater esse tipo de injustiça. “É importante sabermos que nós temos a arma do Direito para poder ajudar aqueles que necessitam enfrentar e dar fim a essas mortes invisíveis e silenciosas”, afirmou Castro.
Felipe Braga
Já Felipe Braga ressaltou que as mortes causadas pela violência policial não ganham tanto espaço no debate público por serem normalizadas. “Mães e seus filhos também vivenciam esse terror que o Estado traz todo dia como se fosse algo banal. Como advogados, não podemos naturalizar isso e nem nos silenciar”, declarou. Destacando que a força policial não oprime pessoas apenas por serem pobres, José Agripino de Oliveira também apontou que o racismo institucionalizado é parte fundamental de histórias como a de Deize: “O que levou Andreu a ser vítima do Estado é a cor da pele. As entidades do Direito têm a obrigação e o dever de se somarem nessa corrente de luta”.
Na visão de Alexandre Dumans, a entrada de jovens, como Andreu, no mundo do crime é fruto de uma realidade desigual, na qual emprego, saúde e educação são bens escassos. “A ida ao mundo do crime deve ser vista como uma estratégia de sobrevivência. São pessoas buscando possibilidades de vida. E existe uma cumplicidade enorme do Estado com tudo isso porque a conduta dos agentes é uma conduta oficial. Eles são funcionários públicos”, lembrou o advogado.