Além da colaboração de Bandeira, a publicação também tem coautoria do criminalista Luciano Tourinho e de Marcio Nepomuceno, que está preso há mais de 20 anos por envolvimento com o tráfico de drogas. Ao longo de um ano, ele escreveu cartas do cárcere para contribuir com o livro. De acordo com Paloma Bandeira, Nepomuceno tem usado a escrita como forma de ressocialização. “Nossa ideia central foi relatar a realidade da prática do cumprimento das penas no Brasil, as teorias defensivas garantidas por leis, as garantias processuais penais que não são observadas e os direitos que são rotineiramente violados nas penitenciárias, principalmente as federais”, contou a advogada.
Carlos Eduardo Machado
Na abertura do evento, o 1º vice-presidente do IAB, Carlos Eduardo Machado, elogiou a proposta da obra. Ele destacou que questões como as violações das garantias no processo penal e o uso da lei para perpetuar racismo, homofobia e outros preconceitos têm que ser discutidas. “O tratamento dado aos presos nas penitenciárias é revoltante. Essas histórias devem ser contadas e analisadas o tempo todo, para que possamos evoluir e tornar o sistema carcerário menos desumano”, afirmou o criminalista.
Da esq. para a dir., Izabel Nuñez, Marcia Dinis, Paloma Gurgel Bandeira e Siro Darlan
Na visão da diretora de Biblioteca do IAB, Marcia Dinis, o livro é uma lembrança de como o sistema punitivo brasileiro é injusto e perverso. A advogada afirmou que a publicação dá voz a um lado pouco ouvido nesse debate: o das pessoas encarceradas. “Não podemos tratar de nenhuma questão do Direito, em especial do Direito Penal, usando apenas a dogmática e lendo somente livros de Processo Penal. É muito importante conhecer a alma humana e só poderemos fazer isso lendo outros autores”, defendeu Dinis.
Também participaram do lançamento o desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) Siro Darlan e a antropóloga e coordenadora de Projetos na Fundação Getúlio Vargas (FGV), Izabel Nuñez.
Para Nuñez, o livro surpreende o leitor ao não se ater apenas aos relatos de quem sofre na prisão, mas garantir análises jurídicas: “Temos um material rico porque extrapola aquilo que se espera quando vemos o nome do Marcio Nepomuceno como autor. O que vemos nesses capítulos é uma análise da execução penal”. Na opinião da antropóloga, o sistema carcerário brasileiro, além de privar os presos da liberdade, também os impõe sofrimento. “Não há neste País nenhuma prisão ou estabelecimento prisional que ofereça garantias, direitos e que cumpra o que a Lei de Execução Penal promete”, disse ela.
Siro Darlan também sublinhou que o lançamento de uma obra com coautoria de um detento dá destaque àqueles que conseguiram vencer as adversidades do sistema prisional brasileiro: “Marcinho nos inspira por sua humanidade. Mesmo enjaulado e estando 22 horas por dia sem ver o sol, ele foi capaz de escrever três livros e já está próximo de lançar outros”.
Com o objetivo de valorizar as contribuições dos presos à literatura nacional, o desembargador aposentado abriu, neste mês, a Academia Brasileira de Letras do Cárcere (ABLC). “Nós a criamos para fazer com que esses brasileiros que se superam, mesmo dentro do cárcere, sejam capazes de mandar notas positivas para a sociedade. Eles estão dando notícias de que superaram o sofrimento e que são capazes de produzir escritos de qualidade”, contou Darlan.