Na ocasião, também foi lançado o livro Os fatos no processo penal, coordenado por Janaina Matida e Lívia Moscatelli, que reúne artigos escritos por mulheres para abordar os principais desafios da prova penal. Na abertura do webinar, o 1º vice-presidente do IAB, Carlos Eduardo Machado, lembrou que o projeto Saindo do Prelo sempre oportuniza “o lançamento de importantes obras jurídicas, com debates e esclarecimentos”. Diretora de Biblioteca do Instituto, Marcia Dinis elogiou a atuação de Schietti no STJ, do qual ele faz parte desde 2013: “O ministro produziu decisões de vanguarda que promoveram e concretizaram direitos humanos em todo o País, para além do senso comum que vê o Poder Judiciário como justiceiro ou porta-voz da vontade das maiorias”. A segunda obra lançada, segundo Dinis, se destaca pela abordagem de diferentes pesquisas e metodologias e por dar voz a mulheres pesquisadoras.
O evento contou com a participação da professora de Direito da Universidad Alberto Hurtado (Chile) Janaina Matida e de coautoras do livro organizado por ela: a 2ª vice-presidente da Comissão de Criminologia do IAB, Fernanda Prates, a advogada Fernanda Tórtima, a defensora pública federal Natalia von Rondow, a professora de Direito Processual Penal da UFJF Marcella Mascarenhas Nardelli e a gerente de projetos da FGV, Izabel Nuñez. Também estiveram presentes o advogado e procurador do município de Belo Horizonte Ademar Borges, o chefe de gabinete do ministro Rogerio Schietti, Cristiano Verano, e a presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB, Silvia Souza.
Ademar Borges
Para Ademar Borges e Cristiano Verano, a homenagem a Schietti é uma reflexão e uma síntese sobre o conjunto de contribuições do ministro que, segundo os organizadores, tem papel revolucionário no sistema de Justiça. “O livro tem altíssima qualidade material e é diferente da maior parte das obras coletivas que vemos circular pelo Brasil. Nós fizemos encontros virtuais e presenciais para, em primeiro lugar, fazer uma radiografia dos principais acórdãos do ministro”, contou Borges. Ele também ressaltou que o homenageado contribuiu para evitar que o Estado de Direito se subverta com a materialização de um tratamento desigual.
Elogiando o trabalho do ministro, Verano destacou que “é da escuta atenta que nasce a jurisprudência”. Fernanda Tórtima endossou as congratulações e afirmou que a grande qualidade de Schietti é a coragem: “Em um País com altos níveis de criminalidade e violência, com membros da magistratura e de órgãos responsáveis pela persecução penal com viés autoritário, é um ato de coragem julgar contra a corrente”.
Da esq. para a dir., Izabel Nuñez, Rogerio Schietti, Marcia Dinis, Janaína Matida, Silvia Souza e Cristiano Verano
Epistemologia jurídica – Segundo Janaina Matida, o objetivo da obra Os fatos no processo penal é democratizar a epistemologia jurídica. “Quando pensamos em fazer o livro, eu e Lívia estávamos começando a escrever sobre injustiça epistêmica. Nós duas percebemos que o processo penal é um lugar de muita injustiça epistêmica”, contou a organizadora. Ela ressaltou que o conceito foi elaborado por Miranda Fricker e se refere ao dano que se causa a alguém que está na condição de uma pessoa capaz de conhecer adequadamente o mundo em que habita. No contexto brasileiro, afirmou Matida, esse procedimento contribui para redução da credibilidade de determinados sujeitos: “Também ocorre com as mulheres vítimas de violência sexual, doméstica e de gênero. Elas, assim, que chegam à investigação, desde o momento inicial, são tratadas como mentirosas”.
Silvia Souza lembrou que o tema tem ligação direta com o racismo estrutural. “Podemos fazer essa análise em várias dimensões, mas pensando no campo da criminologia, do processo penal e na história do nosso próprio País, falamos da desvalorização do testemunho de jovens negros”, disse a advogada, para quem existe uma ausência de termos para categorizar fenômenos que atravessam a questão racial.
Da esq. para dir., Natalia von Rondow, Fernanda Tórtima, Rogerio Schietti, Marcia Dinis e Janaína Matida
Enquanto estava à frente de um grupo de trabalho que presta assistência a vítimas de tráfico de pessoas, Natalia von Rondow afirmou que o entendimento sobre o conceito de injustiça epistêmica foi uma virada de chave para compreender a culpabilização de mulheres: “Infelizmente, não é incomum, na escuta dessas mulheres, perceber que existiam muitas acusadas de tráfico internacional de drogas na condição de vítimas de tráfico de pessoas, o que é muito invisibilizado pelo nosso sistema de Justiça Criminal, mas também pela Defensoria Pública e pelo Ministério Público. A injustiça epistêmica me ajudou a descortinar esses casos e esses sistemas de opressão”, disse a defensora.
Da esq. para a dir., Janaina Matida e Fernanda Prates
Já Fernanda Prates argumentou que, para entender o processo de decisão judicial, é preciso compreender de que maneira o juiz valora a palavra daqueles que estão envolvidos, em especial quando são pessoas negras. “Na ótica dos magistrados, a credibilidade dos acusados é reduzida em relação aos casos de tráfico e aos casos de crime contra o patrimônio”, pontuou a advogada. Izabel Nuñez dedicou sua contribuição com a publicação ao tratamento da perspectiva antropológica do Direito. Ela ressaltou que a justiça é feita não somente das técnicas juridicamente consagradas, “mas também de uma série de valores morais que vão conformando o processo judicial”.