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Quinta, 11 Abril 2024 23:21

Gargalos na recuperação judicial podem fazer com que bens percam o valor, defende especialista

Da esq. para a dir., Alexandre de Assumpção Alves, Thalita Almeida, Gustavo Licks e Marcia Carla Pereira Ribeiro Da esq. para a dir., Alexandre de Assumpção Alves, Thalita Almeida, Gustavo Licks e Marcia Carla Pereira Ribeiro

Em 2013, a empresa de venda por catálogos Hermes apresentou um pedido de recuperação judicial. O grupo geria a varejista Compra Fácil e a venda de seu site era uma das estratégias aprovadas pelos credores para gerar caixa – mas deu errado e demonstrou um gargalo no processo de recuperação judicial. O estudo de caso foi apresentado pelo professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Gustavo Licks, que participou do evento II Temas contemporâneos de Direito Comercial, promovido pela Escola Superior do Instituto dos Advogados Brasileiros (Esiab) nesta quinta-feira (11/4). Ele apontou que o plano adotado pela administração judicial fez o valor do principal ativo, que era o site, ir de R$ 80 milhões para nada: “O site precisou sair do ar durante um tempo porque era ele o grande gerador de prejuízo. Em 2015, foi feita a abertura de propostas e apenas uma foi apresentada. Era a promessa de pagamento de R$ 5 milhões, caso o ativo rendesse lucro ao comprador. O ativo perdeu valor”. 

Na visão do jurista, que participou da palestra A participação dos credores na realização do ativo sob a perspectiva histórica do Direito Falimentar, o site perdeu o valor porque outras empresas ocuparam o lugar deixado por ele no mercado, mas, apesar disso, a culpa não é da administração judicial. “Uma decisão gerencial foi tomada para estancar a sangria e ficaram operando com o que gerava lucro, em prol dos credores”, afirmou o especialista. Ele apontou que a desvalorização foge ao controle do gestor judicial que gere o plano de recuperação. “Existem alguns gargalos no processo e eles nem sempre passam pelas mãos dos credores, juízes ou do Ministério Público”, completou. 

Citando legislações anteriores, o membro da Comissão de Direito Empresarial do IAB Alexandre de Assumpção Alves ressaltou a importância de compreender a evolução histórica das normas sobre falência para entender as características atuais da lei que trata do tema. Ele destacou o instituto da concordata por abandono, presente no Decreto 917/1890, como uma inovação significativa em relação ao pagamento de credores. “Eles aceitavam receber os bens da massa pelo falido em forma de pagamento em caráter pró-soluto”, explicou. Na visão de Alves, ao observar essas e outras características das normas brasileiras, é possível perceber diferentes posições do legislador. “A perspectiva histórica nos mostra que tivemos momentos, ora de primazia, ou maior participação dos credores, ou possibilidade de os credores decidirem as normas de liquidação, e, em outros momentos, como em 1945, na Era Vargas, há elevada centralização".

Já a professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Marcia Carla Pereira Ribeiro abordou o tema a partir do projeto de lei 3/24, que altera a Lei de Falências. Segundo ela, a medida vigente busca equilibrar os interesses dos credores, empresários e outros envolvidos na crise. “Na recuperação judicial, os credores têm o poder de aprovar ou rejeitar o plano de recuperação", exemplificou. Ribeiro destacou que, se aprovado, o PL ampliará os poderes dos credores, concedendo à assembleia geral de credores a competência para deliberar sobre o plano de falência, entre outras medidas. Além disso, a proposta também prevê uma limitação às remunerações do administrador e do gestor do processo. Essa limitação está relacionada aos valores novados, que dizem respeito à transformação de uma dívida em outra. “Na prática, isso significa que quanto mais o administrador ou mediador atuarem para minimizar o valor, menos irão receber”, disse a palestrante. 

O encontro, que faz parte de uma semana inteira de debates sobre Direito Comercial, também teve palestras do professor da Universidade de Lisboa Diogo Gonçalves, do professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Ricardo Mafra, da discente do Programa de Pós-graduação em Direito da Uerj (PPGD/Uerj) Larissa Rocha e dos membros da Comissão de Direito Empresarial do IAB José Gabriel de Assis Almeida, Flávio Galdino e Luiz César Loques. Os painéis de discussão foram mediados pelo membro da mesma comissão Alexandre Couto Silva e pelos discentes do PPGD/Uerj Raphael Portella e Thalita Almeida. 

Diogo Gonçalves

Mercado de capitais – Em sua palestra, Diogo Gonçalves apresentou reflexões sobre algumas questões geradas a partir do conhecimento de uma empresa sobre um fato relevante que possa gerar implicações legais. "Quando nós e como nós podemos dizer que uma companhia teve conhecimento de um determinado fato, que depois é qualificado como relevante?", questionou. De acordo com o professor, o juízo de imputação de conhecimento é essencialmente uma alocação de risco. Ele apresentou duas teorias sobre o tema: a Teoria do Conhecimento Absoluto e a Teoria do Risco da Organização, sendo esta última, em sua visão, o modelo mais adequado: “Essa teoria diz que uma companhia, para atuar no comércio jurídico, deve se organizar de forma adequada. Dentro desse dever da organização adequada, está implicada a criação de sistemas de aquisição, tratamento e partilha da informação”. 

Da esq. para a dir., Ricardo Mafra, Alexandre Couto Silva e José Gabriel de Assis Almeida

Ricardo Mafra explicou que, segundo a Lei das Sociedades Anônimas, os administradores da companhia aberta são obrigados a comunicar imediatamente à bolsa de valores e ao mercado a existência de um fato relevante. No entanto, ele ressaltou que a interpretação desse termo não é tão simples quanto parece, pois a palavra “imediatamente” depende de dois marcos temporais: a existência do fato relevante e o conhecimento desse fato pela companhia. “A finalidade dessa obrigação é, de certa forma, a simetria informacional, mas essa ideia pode nos levar a erros, até porque um mercado perfeitamente simétrico, do ponto de vista informacional, é impraticável, porque os investidores ficariam assoberbados”, ponderou o professor. Por outro lado, ele apontou que o objetivo verdadeiro da lei é tutelar o processo de tomada de decisão do investidor: “A regulação quer que essa tomada de decisão seja sem interferências externas, sem coação e sem pressão”.

Os elementos que constituem a ideia de fato relevante foram abordados na apresentação de José Gabriel Almeida. “A definição de fato relevante se organiza em dois eixos: o primeiro é ser um ato ou um fato de caráter político-administrativo e técnico-negocial, e o segundo é a possibilidade desse fato influir de modo ponderável na cotação dos valores mobiliários ou nas decisões dos investidores”, explicou. Almeida enfatizou que o elemento "fato" é caracterizado pela objetividade, sendo um acontecimento da natureza ou um resultado da conduta humana que repercute no âmbito jurídico. Já o conceito de "relevante" carrega um juízo de valor. Na opinião dele, a subjetividade da ideia de relevância torna a divulgação ou não da informação mais complexa. “Talvez devêssemos trabalhar a volta de alguns parâmetros: definir a relevância do fato na perspectiva do seu destinatário”, defendeu. 

Da esq. para a dir., Flávio Galdino, Raphael Portella, Larissa Rocha e Luiz César Loques

Alterações legislativas – No último painel do dia, os palestrantes apresentaram e discutiram temas ligados à Reforma dos dispositivos de Direito Empresarial no Código Civil. Com base nos trabalhos desenvolvidos na comissão de juristas responsável pela atualização do Código Civil, Flávio Galdino avaliou de forma positiva os subsídios realizados à área de Direito da Empresa. “O saldo geral é que o trabalho da subcomissão contribuiu para atender aos critérios de aumentar o grau de segurança jurídica nas atividades empresariais, desburocratizar e simplificar a atividade empresarial e incorporar precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ)”, afirmou o advogado. O anteprojeto aprovado será encaminhado ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que, em seguida, deve apresentar à casa legislativa em forma de projeto de lei.

Já Larissa Rocha afirmou que a mudança na lei reflete em algumas necessidades sociais, como a redução da burocracia e o acompanhamento dos avanços tecnológicos, por exemplo. Em sua apresentação, ela destacou a alteração do conceito de empresa. “Na redação atual do Código Civil, ele é extraído do conceito de empresário. Então, podemos entender que empresa é atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens”, disse a palestrante. A redação proposta traz como novidade a possibilidade da inscrição do registro público de empresas mercantis. “A redação ficou mais clara, precisa e afastou elementos de empresa que traziam uma certa confusão na hora de interpretar”, elogiou. 

Entre as mudanças previstas, Luiz César Loques ressaltou que a introdução do acordo na relação societária de sociedades limitadas será muito bem-vinda e trará segurança jurídica. “Isso se tornou uma espécie de tendência no Direito das Companhias, o que é muito bom. A técnica é muito acertada, porque vai repetir a regra da existência e da eficácia no registro mercantil”, disse o advogado. Para ele, a possibilidade de escolha de regime híbrido pelas sociedades empresariais, presente na redação do anteprojeto, pode ser considerada um acerto político do legislador.

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