O debate, promovido pelo XVI Ciclo de Debates de Direito Administrativo, teve abertura realizada pela 3ª vice-presidente do IAB, Ana Amelia Menna Barreto, e pelo presidente da Comissão de Direito Administrativo do Instituto, Emerson Affonso da Costa Moura. O encerramento da palestra foi feito pelo vice-presidente da mesma comissão, Oscar Bittencourt Neto. O Direito Administrativo brasileiro, assim como explicou Emerson Moura, tem como principal fonte a escola francesa, cujo Conselho de Estado consolidou, através de sua jurisprudência pragmática, a produção teórica acerca dos institutos, categorias e normas da área. “O aniversário desse julgamento da corte francesa nos leva à importante discussão sobre a origem do Direito Administrativo, a construção de uma teoria própria para os serviços públicos e dos pilares que sustentaram e sustentam até hoje a responsabilidade civil do Estado”, afirmou o advogado.
Agnès Blanco foi atropelada por uma vagonete da Companhia Nacional de Manufatura de Tabaco, que prestava serviços ao Governo francês. Essa ligação fez com que o Conselho de Estado decidisse pela responsabilização do Estado, abrindo um paradigma para o Direito do país. De acordo com Maria Sylvia Di Pietro, o primeiro ponto que definiu o caso como pedra angular do Direito Administrativo foi o entendimento de que o Estado deve responder civilmente pelos prejuízos causados ao particular. O tribunal também decidiu que o caso seria julgado através de regras especiais. “Ele considerou o serviço público como critério definidor de competências, afastou a aplicação do Código Civil, exigiu a aplicação de regras especiais, que variam conforme as necessidades dos serviços, e definiu a competência da jurisdição administrativa”, explicou a professora.
Na prática, o julgamento Blanco “definiu o serviço público como critério de competência da jurisdição administrativa”, disse Di Pietro. Além disso, ela ressaltou que o conteúdo do acórdão vai além do tema da responsabilidade civil e faz algumas provocações que acabaram valendo para todo o Direito Administrativo. “De um lado, porque ele afasta a aplicação do Código Civil e, de outro, porque ele faz referência a regras especiais que devem ser aplicadas de acordo com as necessidades do serviço público”. No entanto, a professora ponderou que o caso não foi inteiramente inovador, já que outras decisões contidas nele também foram reafirmações de julgamentos precedentes.
O acórdão, segundo Di Pietro, também realça uma distinção importante na matéria: a que separa a falta pessoal da falta do serviço. “A falta pessoal é completamente dissociada do funcionamento do serviço. Podem ser praticadas pelo funcionário, mas não têm nada a ver com o ofício. A falta do serviço é de tal modo ligada ao serviço prestado pelo empregado público que o Conselho de Estado teria que examinar o funcionamento dele para poder decidir”, explicou. Se a falta for pessoal, a competência de julgamento é da Justiça comum, mas se ela for do serviço a jurisdição é da competência administrativa.
No encerramento do evento, Oscar Bittencourt destacou a importância de se falar sobre o caso: “Essa grande efeméride do Direito Administrativo, comemorada efusivamente na França, vinha passando em brancas nuvens no Brasil. Portanto, temos que agradecer o IAB por ter permitido esse congresso”. Ele também explicou que a decisão foi descoberta 25 anos depois de sua aprovação pela Escola do Serviço Público da França. “O acórdão Blanco é seminal e tem um papel não apenas acerca da responsabilidade civil, mas também teve influência na questão do serviço público”, endossou. Os conceitos formulados no acórdão também impactaram o entendimento sobre a mutabilidade do serviço público, disse Bittencourt.