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Quarta, 07 Outubro 2020 20:42

Autonomia da mulher e aborto geram debate polêmico no IAB  

“Ao contrário do que o comportamento de parte da sociedade pode indicar em alguns atos públicos, o aborto já é considerado crime no País, de acordo com o Código Penal, que, no entanto, prevê os excludentes de penalidade para os casos de risco de vida para mulher e de gravidez decorrente de estupro.” A afirmação foi feita pela vice-presidente da Comissão Especial de Direito Médico da OAB Federal, Daniela Tonholli, em palestra nesta quarta-feira (7/10), no canal TVIAB no YouTube, a convite do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). “À luz da ciência, não há um único argumento que justifique a retirada de uma vida”, contrapôs a médica Ana Cristina Russo, especialista em Ginecologia e Obstetrícia, e mestre em Saúde da Mulher e da Criança pela Fiocruz. 
Os debates do webinar sobre ‘Autonomia da mulher e a relação médico-paciente’ tiveram como ponto de partida o caso da menina de 10 anos que foi estuprada por um tio, desde os seis anos de idade, na cidade de São Matheus (ES). Ela teve a gravidez interrompida em agosto deste ano, num hospital de Recife (PE), num caso de repercussão internacional. 

A menina chegou a ser internada numa unidade de saúde do ES, onde grupos de manifestantes protestaram para impedir a realização do aborto. A direção do hospital alegou que não reunia condições técnicas de realizar o procedimento, tendo como base os protocolos estabelecidos pelo Ministério da Saúde. A recusa gerou a transferência da menina para PE, por determinação judicial.
 
O webinar Papo com o IAB foi organizado pela recém-criada Comissão de Direito Médico, Saúde e Bioética, presidida Renato Battaglia, que mediou os debates. A presidente nacional do IAB, Rita Cortez, abriu e encerrou o evento. Ela elogiou “a qualidade dos temas abordados e o alto nível das especialistas convidadas para abordá-los”. O vice-presidente da Comissão de Direito Médico, Saúde e Bioética, Bruno Marcelos, também atuou como mediador.  

‘Dignidade’ – A advogada Daniela Tonholli, que é mestre e doutora em Educação pela PUC-Minas, afirmou: “Não faço aqui, de forma alguma, uma defesa do aborto, mas hoje existe uma corrente na sociedade que quer manter a todo custo o nascimento das crianças, sem considerar, porém, se há condições econômicas e sociais de garantir a elas o direito à dignidade da pessoa humana, que inclui saúde, alimentação, moradia e educação”. Ela acrescentou que, além das hipóteses de aborto previstas no Código Penal, a interrupção da gravidez pode ocorrer em caso de anencefalia, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). 

Bruno Marcelos comentou que as restrições ao aborto levam milhares de mulheres a recorrer a interrupções clandestinas. “De acordo com dados da OMS de 2018, 25 milhões de abortos foram praticados no mundo, por ano, sem qualquer assistência às grávidas, no período de 2010 a 2014”, informou. Segundo o vice-presidente da Comissão de Direito Médico, Saúde e Bioética, “faltam políticas públicas que contemplem medidas fundamentais para evitar uma gravidez indesejada, como planejamento familiar e educação sexual nas escolas”. 

Ana Cristina Russo questionou: “O fato de uma gravidez ser indesejada justifica dar fim àquela vida? Não temos outra maneira de resolver tudo isso? Como médica, o meu papel é mostrar à mãe outras possibilidades existentes além do aborto, como, por exemplo, a adoção”. Em sua opinião, “a autonomia da gestante deve ser relativizada pelo princípio da preservação da vida humana”. Ainda de acordo com a médica, “o Direito e a Medicina têm que caminhar juntos em direção à proteção à vida”.  

Objeção de consciência – Ela tratou também da questão relacionada à objeção de consciência, motivação apresentada por profissionais da área médica para não fazer um aborto. “A justificativa decorre, geralmente, da preocupação do médico de ficar estigmatizado entre os seus pares por realizar o procedimento ou, ainda, de ser incriminado, caso a grávida esteja mentindo ao afirmar que foi vítima de estupro”, disse Ana Cristina Russo.  

Renato Battaglia comentou a segunda motivação citada “Em relação ao médico ter medo de ser incriminado pela polícia, a preocupação é improcedente, pois se a vítima mentir, ela o estará induzindo a erro, enquanto ele estará agindo de boa-fé”, afirmou o presidente da Comissão de Direito Médico, Saúde e Bioética. 

O advogado também falou a respeito da Lei 13.718/18, que deu nova redação ao art. 225 do Código Penal, tornando os atos atentatórios à dignidade sexual crimes de ação pública incondicionada, ou seja, passíveis de investigação, independentemente, da vontade ou denúncia da vítima.  

“A mudança na lei, ao contrário do que muitos afirmam, não obriga o médico a denunciar que a paciente foi vítima de estupro, mas sim a polícia e o Ministério Público a promover a investigação dos fatos, ao tomarem conhecimento por outros, mesmo que a vítima não queira a apuração do crime”, afirmou. 
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