O Instituto dos Advogados Brasileiros vive da tradição. Mais do que isso: é a própria tradição. É o responsável histórico pela origem da Advocacia.
Falar de história e registrar o passado, na perspectiva do exemplo a ser seguido, faz parte do cotidiano do IAB. Fundado em 1843, no Império, seu Estatuto trazia, no art. 2º, uma grande missão: "o fim do Instituto é organizar a Ordem dos Advogados, em proveito geral da ciência e da jurisprudência." Somos, portanto, o berço da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil. Eis porque ele era chamado de Instituto da Ordem.
Integro uma geração de Advogados que conheceu o que há de mais sombrio, repressivo e ditatorial em termos de ordem jurídica.
Desses 50 anos do golpe que derrubou a democracia brasileira, passamos mais de 20 sem habeas corpus, sem respeito à liberdade e ao estado de direito, sem direito de acesso aos presos, sobrevivendo graças à bravura que significava advogar naqueles tempos.
Sou produto dessa advocacia da liberdade, que aprendi com o "velho" Raul Lins e Silva Filho - perdoem-me o imodesto ufanismo - o mais completo advogado criminal que conheci, exemplo de compostura ética, competência e coragem, cujo centenário de nascimento foi celebrado ano passado.
Dentre todos os sofrimentos que advogar na sombra produzida pela ditadura já produz, tive o da perda, numa hora inapropriada, como costumam ser as perdas, com a morte do Dr. Raul. Era 9 de maio de 1968. Quis o destino que a data de triste lembrança fosse transformada, 46 anos depois, na data de minha posse como Presidente do IAB. Afora essas circunstâncias personalíssimas, nossa investidura vem numa hora privilegiada da história do país.
Vários códigos aguardam o lento processo legislativo. Os Códigos Comercial, Penal, Processo Penal, as Leis de Execução Penal, Arbitragem e Mediação, além de uma infinidade de textos fundamentais para nossa ordem jurídica, como a codificação das Leis Trabalhistas.
Essa vocação acadêmica do IAB o acompanha há quase 200 anos. Temos um corpo social de fazer inveja aos melhores centros do pensamento jurídico. Estamos habilitados a produzir estudos, sugestões, pareceres e substitutivos de projetos de lei.
Empenharemos todos os esforços para apresentar um substitutivo do projeto de Código Penal, que não faz justiça às tradições humanitárias na nação. Seus defeitos podem ser corrigidos. Ainda há tempo.
O IAB tem a capacidade de influir em todos os setores do conhecimento jurídico, desde tempos imemoriais. O Código Comercial, datado de 1850, em pleno Império, ainda em vigor, foi produto de sua inteligência.
Tal vocação acadêmica do IAB será mantida, cultivada e ampliada; mas não deixaremos de estar atentos e de participar da vida institucional do País, promovendo uma gestão para o Brasil.
Não se admite, nos tempos de hoje, que o habeas corpus sofra as limitações que algumas decisões judiciais têm imposto. Recentemente, no julgamento de um habeas corpus no STF, quando se discutia a proibição do HC originário, substitutivo do recurso ordinário, o Ministro Ricardo Lewandowski, acertadamente, lembrou que essa odiosa limitação tem origem no Ato Institucional nº 6, o primeiro a inaugurar a época sinistra da ditadura. Aplicá-la nos tempos de hoje é uma ofensa à democracia e aos que deram a vida para sua restauração.
Estaremos atentos às violações das prerrogativas da profissão e juntaremos nossa voz e o prestígio da Casa de Montezuma à causa da liberdade!
Francisco Gomes Brandão, que depois adotou o nome de Francisco Gê Acaiaba de Montezuma, foi o grande idealizador do IAB e seu primeiro presidente. Homem polêmico, de cultura e conhecimento invulgares, com experiência em todos os ramos do conhecimento humano - não só do direito - político, doutrinador, constituinte de 1823, defendeu o federalismo, a liberdade de imprensa e a religiosa, viveu na Europa, estudou direito em Coimbra, versou assuntos financeiros com maestria e presidiu o Banco do Brasil.
É rica a trajetória do IAB na história brasileira. Saberemos honrá-la.
Técio Lins e Silva, Presidente do IAB.