O Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) tem em seus pilares a defesa dos direitos culturais constitucionais, conforme asseguram os direitos e garantias fundamentais esculpidos no artigo 5º, IX, combinado com os artigos 215, 216 e 216-A, todos da Constituição Federal. Nesse sentido, manifesta extrema preocupação com o desmonte do setor cultural do País, iniciado com a extinção do Ministério da Cultura e agravada em toda gestão do atual governo.
A edição da Medida Provisória 1.335/2022, na prática, revoga as Leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc – vetadas pela Presidência da República, tendo sido os vetos derrubados pelo Congresso Nacional por larga e expressiva maioria – e reitera o propósito do governo em aniquilar com o setor cultural.
As Leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc, assim batizadas em homenagem a dois grandes artistas vitimados pela Covid-19, representam normas que se constituíram em políticas de Estado, que asseguraram efetivo incentivo ao setor, um dos mais afetados pelo flagelo da pandemia. A LPG assegura o pagamento do valor de R$ 3,8 bilhões, para os estados e municípios utilizarem na mitigação dos efeitos da pandemia, e a LAB prevê repasse anual de R$ 3 bilhões aos governos estaduais e municipais, inicialmente durante cinco anos, para o financiamento de iniciativas culturais.
Pelo teor da MP, as verbas lá destinadas, ambas com expressa previsão orçamentária, que seriam obrigatórias pelas leis alteradas e começariam a ser repassadas ainda neste ano, passaram a ser facultativas e sob a discricionariedade da disponibilidade orçamentária e financeira do governo, o que resultará em duas leis mortas.
A vibrante indústria criativa representa cerca de 4% do PIB e gera milhares de empregos, diretos e indiretos, dependentes dessas políticas de fomento. A atitude do Governo Federal demonstra flagrante incompreensão e descaso com a Cultura Brasileira, responsável por assegurar nossa identidade no mundo.
A MP demonstra clara inconstitucionalidade, pois usurpa do Legislativo sua autonomia deliberativa e viola a independência dos Poderes, sendo urgente sua devolução pelo Congresso Nacional. A promoção da arte, do criador e dos sistemas de proteção das obras artísticas é conquista civilizatória, e os países que a promovem e a adotam como política de Estado encontram-se em elevados níveis de prestígio internacional, como também comungam de sociedades livres e democráticas.
A história ensina que asfixiar o conhecimento e as obras artísticas macula o livre pensamento e o processo criativo, sendo uma das etapas dos regimes marcadamente autoritários, que ideologicamente dialogam com a censura. O IAB repudia a flagrante ilegalidade da MP 1.335/2022 e se insurgirá contra atos voltados ao desmantelamento do setor cultural. A Cultura é um valor constitucional e um direito fundamental.
Rio de Janeiro, 31 de agosto de 2022.
Instituto dos Advogados Brasileiros
Sydney Sanches
Presidente