Os onze ministros poderão dar interpretação constitucional ao ensono religioso nas escolas públicas brasileiras
São Paulo – O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar nesta semana a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.439, impetrada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que questiona a constitucionalidade do ensino religioso confessional nas escolas públicas de todo o país. O Decreto 7.107, de 2010, assinado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, promulgou o acordo assinado entre o Brasil e o Vaticano em 2008, que, dentre outras coisas, reconhece “o ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas” como disciplina das escolas públicas de ensino fundamental. A ação está sob relatoria do ministro Luís Roberto Barroso.
Para a PGR, apoiada por organizações que atuam no direito à educação, o ensino confessional na rede pública fere a laicidade do Estado brasileiro e pode abrir brechas para doutrinação e proselitismo religioso nas escolas. Isso porque a definição confessional pretende a promoção de determinada religião. A Constituição Federal, no artigo 210, reconhece que "o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental", mas não o caráter confessional.
Para as organizações, que figuram como amicus curiae – pessoa ou entidade que apresentam apoio a determinado entendimento de uma causa judicial –, o ensino religioso deve ser reservado à família, aos templos e às próprias escolas confessionais. Segundo a coordenadora executiva da ONG Ação Educativa e doutora em educação pela USP, Denise Carreira, o objetivo não é acabar com o ensino religioso, mas sim que o STF determine limites legais.
“Queremos que o supremo detalhe os limites negativos, ou seja, o que não pode ser feito. Não pode ter matrícula automática, por exemplo, já que a Constituição Federal delimita o ensino religioso como facultativo. Muitas redes matriculam automaticamente os alunos. Há uma ‘forçação de barra’. E também que não sejam contratados professores ligados às religiões, para evitar proselitismo ou doutrinação. Hoje, no Rio de Janeiro, quem escolhe os docentes são instituições religiosas”, explicou.
Em 15 de junho, o STF realizou audiência pública para discutir o tema. Nove organizações se manifestaram sobre o ensino religioso, a maioria delas no sentido de apoiar a ADI. O Conselho Nacional de Educação do Ministério da Educação ressaltou que o ensino religioso deve assegurar o respeito a diversidade e ser ministrado de forma laica, sob um contexto histórico e abordando a perspectiva das várias religiões, apoiando o entendimento da PGR.
O advogado Gilberto Antonio Viana Garcia, do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), defendeu que o Estado não pode financiar o ensino de qualquer confissão religiosa em específico e deve adotar o modelo não confessional. Para a entidade, a adoção do ensino religioso “católico e de outras confissões” pelas escolas públicas, fere o princípio da isonomia. “Isso porque apenas a Igreja Católica, representada pelo Vaticano, possui status de Estado e pode firmar acordos com o Estado brasileiro, algo impossível a outras religiões”, explicou Garcia.
O deputado Pastor Eurico (PSB/PE), integrantes da Frente Parlamentar Mista Permanente em Defesa da Família – a chamada Bancada Evangélica – defendeu o ensino religioso, que, no seu entender, “leva as pessoas a aprender mais sobre valores e relacionamentos interpessoais”. O diplomata Luiz Felipe de Seixas Corrêa, embaixador do Brasil junto à Santa Sé (Vaticano), defendeu que o ensino religioso seja confessional. “Caso contrário, o legislador teria usado a expressão ‘ensino de religião’”, pontuou. “Interpretar o ensino religioso como o da história das religiões não é compatível nem com a letra nem com o espírito da lei”, completou.
Denise defendeu que a ideia de apresentar valores morais, de respeito e solidariedade está contemplada pelas Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos, descrita na Resolução nº 1, de 30 de maio de 2012, do Ministério da Educação. “Não é necessário mobilizar religiões para isso. Sobretudo considerando os conflitos religiosos no Brasil, que estão cada vez mais acirrados. O ensino religioso acaba funcionando de forma contrária a isso, ampliando conflitos e a desigualdade na escola pública”, afirmou.