O Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), em nota, afirma que “delinquentes devem ser julgados pelos seus atos, obedecidos os postulados do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa e do juiz natural; sob pena de instalar-se a barbárie”.
Por Redação, com ACS – do Rio de Janeiro
O plenário do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) aprovou, por unanimidade, nota assinada pelo presidente nacional da instituição, Técio Lins e Silva, publicada nesta quinta-feira. No documento, o IAB “manifesta sua profunda preocupação com a intervenção federal na área da segurança pública decretada, de forma inoportuna e sem fundamentação constitucional, pelo presidente da República no Estado do Rio de Janeiro”. Na nota, o IAB afirma que “se manterá vigilante durante o período da intervenção militar, especialmente quanto ao absoluto respeito às garantias individuais dos cidadãos, sem as quais o Estado Democrático de Direito não subsiste”.
Ainda conforme o documento, “delinquentes devem ser julgados pelos seus atos, obedecidos os postulados do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa e do juiz natural; sob pena de instalar-se a barbárie”. Ao final da sessão, Técio Lins e Silva destacou o posicionamento do IAB a respeito do tema de maior interesse nacional no momento. “Fiel às suas tradições, o Instituto mais uma vez opina sobre matéria jurídica cujos efeitos políticos interessam ao destino da democracia brasileira”, afirmou. Ele complementou: “Demonstramos que o IAB, fundado há 174 anos, continua na vanguarda do direito”.
Na sessão ordinária também foi aprovada a formação de uma comissão extraordinária e multidisciplinar que examinará e emitirá parecer sobre o decreto presidencial que determinou a intervenção federal. A comissão será composta pelos presidentes das comissões de Direito Penal, Victória de Sulocki, designada relatora do parecer; de Direito Constitucional, José Ribas Vieira, e de Direito Administrativo, Manoel Messias Peixinho.
Inviolabilidade do domicílio
Autor da iniciativa de criação da comissão extraordinária e do posicionamento público do IAB sobre o assunto, o diretor João Carlos Castellar, membro da Comissão de Direito Penal, criticou, durante a sustentação oral das duas propostas, a ideia de expedição de mandados de prisão coletivos e ordens de busca sem endereço definido.
— É extremamente preocupante que o interventor, previamente ao início da missão dada, propugne que o seu êxito dependerá do desatendimento de normas legais e constitucionais no tocante à inviolabilidade do domicílio — disse.
João Carlos Castellar fez críticas também à recente alteração no Código Penal Militar, promovida pela Lei 13.491, de 13 de outubro de 2017. A mudança estabeleceu que os crimes dolosos contra a vida cometidos por militares das Forças Armadas contra civis serão considerados crimes militares, ou seja, de competência da Justiça Militar, quando praticados em cumprimento a atribuições dadas pelo presidente da República ou pelo ministro da Defesa.
Insegurança jurídica
— Significa dizer que possíveis homicídios praticados pelos militares integrantes da força interventora serão julgados pela Justiça Militar, enquanto o julgamento do mesmo delito, caso seja cometido por um policial civil convocado para prestar auxílio à operação, caberá ao Tribunal do Júri — explicou. Para o advogado, “tal situação gera palpável insegurança jurídica”.
Castellar analisou também os dispositivos contidos na Portaria Normativa 186, baixada pelo Ministério da Defesa em 31 de janeiro de 2014. Eles preveem a participação de representantes do Poder Judiciário no planejamento das operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e a criação de um núcleo jurídico para “expedir instrumentos jurídicos que respaldem as ações”. Para o diretor do IAB, “trata-se de um verdadeiro Tribunal de Exceção, a ser instalado para atuar nessa operação, processando e julgando os eventuais suspeitos”.
Ranking macabro
O advogado disse ainda que “não passa de retórica política” a alegação do presidente da República, de que o objetivo da intervenção federal se destina a “pôr termo a grave comprometimento da ordem pública no Estado do Rio de Janeiro”. Segundo ele, “os dados estatísticos apontam que o Rio de Janeiro está em décimo lugar no macabro ranking nacional de quantidade de homicídios dolosos por grupos de cem mil habitantes, e nem por isso outras metrópoles que ostentam números bem mais significativos foram alvo de maior preocupação por parte do presidente da Nação”.
O diretor do IAB destacou ainda o fato de o governo federal não cumprir a sua parte no que diz respeito à segurança pública no País. Segundo Castellar, “a União reduziu à metade, no ano passado, o orçamento de R$ 6 bilhões para a área de segurança e continua falhando na fiscalização, que cabe à Polícia Federal e à Polícia Rodoviária Federal, das rotas do tráfico de drogas e armas que atravessaram as fronteiras do País e chegam às metrópoles pelas estradas”.