A “uberização” conceitua um modelo em que o mecanismo de trabalho é flexibilizado e o profissional presta serviço sem vínculo empregatício e utilizando o seu próprio bem como ferramenta. “Normalmente eles têm 12, 14 horas de trabalho, não têm ponto de descanso, não têm alimentação fornecida pelo provedor da plataforma, não acessam os algoritmos que determinam o seu salário e sequer sabem quanto custa sua hora de trabalho”, afirmou Silvia Virginia de Souza, que palestrou na mesa Trabalho decente na Justiça do Trabalho e como política sindical de Direitos Humanos. O painel teve a participação do presidente nacional do IAB, Sydney Limeira Sanches, do senador Constituinte Bernardo Cabral e da ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Delaíde Alves Miranda Arantes, com mediação do diretor Tesoureiro da OAB/RJ, Marcello Oliveira, e dos presidentes da Comissão de Direito Coletivo do Trabalho e Sindical do IAB, Marcus Vinícius Cordeiro, e da Comissão dos Direitos da Mulher do IAB, Rita Cortez.
“Talvez tenhamos deixado a desejar na promoção do trabalho decente”, ponderou Silvia Virginia de Souza sobre o crescimento da precarização do trabalho. O tema foi profundamente estudado pela ministra Delaíde Arantes, que analisou o conceito de trabalho decente em sua dissertação de mestrado defendida pela Universidade de Brasília (UnB) no ano passado. Um dos pontos centrais da pesquisa é o controle de convencionalidade. “A partir do momento em que nosso Direito Social começa a ser atacado e começam as tentativas de desmontá-lo, precisamos buscar proteção nas normas internacionais. Seguindo os tratados em que o Brasil é signatário, o juiz tem o dever de fazer o controle da convencionalidade, ou seja, checar se uma norma interna que foi aprovada passa pelo crivo das normas internacionais”, explicou a magistrada.
A conclusão do estudo apontou que não há essa cultura no País. “A advocacia não cumpre o dever de postular e a magistratura não cumpre o dever de fazer a aferição”, disse Delaíde Arantes. O tema é especialmente importante, destacou Sydney Limeira Sanches, diante das mudanças globais: “Hoje, quando nós tratamos da grande e intrínseca conectividade que temos no mundo, não falar do controle de convencionalidade em várias áreas do Direito é um desperdício”. Outro ponto ressaltado por Marcello Oliveira foi a atualidade política do assunto. “É um trabalho desenvolvido justamente na contramão do que o nosso Governo Federal apresentava como política, que era o desfazimento de tudo aquilo que foi construído”, afirmou o advogado.
Bernardo Cabral. Foto: Flávia Freitas/Divulgação OAB/RJ
Bernardo Cabral lembrou da consolidação dos direitos sociais na Carta Magna. “Se dizia que essa Constituição não duraria seis meses, que o País ficaria ingovernável, e em breve estaremos no dia 5 de outubro fazendo 35 anos”, contou o senador Constituinte, que também é membro benemérito do IAB. Ao falar da perseguição que sofreu na ditadura militar, quando perdeu seus direitos políticos, ele disse que foi acolhido no Instituto. “O que eu trago na cabeça de advogado e não conseguiram me tirar nunca é a liberdade e a vontade de lutar pelo dia a dia”, completou.
Da esq. para a dir., atrás, Rita Cortez e Marcus Vinicius Cordeiro; na frente, Delaíde Alves Miranda Arantes, Marcia Dinis e Sandro Lunard
Saindo do Prelo – O evento foi encerrado com o lançamento dos livros Trabalho decente, de Delaíde Alves Miranda Arantes, Dicionário de Direito Sindical e Dicionário de súmulas trabalhistas, ambos escritos por Sandro Lunard. “Os dois dicionários são extremamente didáticos e úteis, podem e devem ser consultados em diversas ocasiões por advogados e estudantes de Direito do Trabalho, assim como a belíssima obra da ministra Delaíde, que trata essencialmente da dignidade da pessoa humana, um tema tão caro para nós do IAB e para os brasileiros e brasileiras que têm a preocupação com o cumprimento da nossa Constituição”, afirmou a diretora de Biblioteca do Instituto, Marcia Dinis, que conduziu a mesa.
O lançamento também teve participação de Marcus Vinícius Cordeiro, de Rita Cortez e dos autores, que apresentaram as obras. Trabalho decente tem como objeto a evolução do conceito na perspectiva do uso de normas internacionais de direitos humanos trabalhistas por parte do TST. “A conclusão que eu chego ao final da pesquisa é que são poucas as decisões do Tribunal fundamentadas no trabalho decente e na Organização Internacional do Trabalho”, contou Delaíde Arantes. Ela reafirmou a importância da aferição do controle de convencionalidade no trabalho do juiz e na organização do setor trabalhista.
Outra parte fundamental do trabalho decente, lembrou Sandro Lunard, é a liberdade sindical. Tema que foi enfrentado pelo autor em sua tese de doutorado, pesquisa que originou o Dicionário de Direito Sindical. “Esse trabalho atualiza, dicionariza e traduz para o português 2 mil ementas produzidas no âmbito dos mais de 70 anos de funcionamento do Comitê de Liberdade Sindical da OIT e se apresenta como uma ferramenta importante para advogados, procuradores do Trabalho e todos aqueles que pretendem pesquisar o Direito Internacional do Trabalho”, disse Lunard.
A publicação do Dicionário de Súmulas Trabalhistas também é fruto de um mapeamento, porém focado nas súmulas dos 24 Tribunais Regionais do Trabalho do País e nas mais tradicionais súmulas do TST. “Se trata de um trabalho inédito. Nem nos setores de jurisprudência do TST estão organizadas as súmulas existentes no conjunto dos tribunais”, ressaltou o autor.