Sergio Chastinet Duarte Guimarães disse em seu parecer que “incluir o aborto no rol dos crimes hediondos é uma solução criminalizante para as mazelas sociais inserida no leque de estratégias inspiradas no populismo penal”. Segundo o advogado, “a iniciativa parlamentar empresta força à estigmatização criminal para atingir determinados objetivos sociais ou reforçar determinadas políticas estatais”. Na justificativa do PL, os autores afirmaram que “as penas continuarão sendo suaves para um crime tão bárbaro, mas haverá um avanço significativo em nossa legislação penal, pois, como crime hediondo, não será mais possível suspender o processo”.
Sergio Chastinet também criticou a proposição de aumento de penas estabelecidas no Código Penal. O crime previsto no art. 125 (provocar aborto sem o consentimento da gestante) teria a pena de três a 10 anos de reclusão ampliada para seis a 15 anos. Em relação ao art. 126 (provocar aborto com o consentimento da gestante), a reclusão de um a quatro anos de reclusão passaria a ser de quatro a 10 anos. “A pena proposta para o crime do artigo 125 ficaria próxima da prevista para o homicídio simples, o que seria desproporcional”, afirmou o advogado.
Ele tratou, ainda, em seu relatório de outra iniciativa contida no PL, que, em seu art. 23, criminaliza o aborto culposo, além de aumentar a pena em um terço se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão. “É desnecessária a criminalização, pois o aborto culposo pode ser tratado, eficientemente, com o regramento administrativo incidente sobre a atividade médica e/ou sob a ótica reparatória do direito civil”, afirmou.
Para Maíra Fernandes, que apresentou como voto-vista o parecer aprovado, em 2011, pela Comissão de Bioética e Biodireito da OAB/RJ, então por ela presidida, o dispositivo referente ao aborto culposo “viola o princípio constitucional penal da intervenção mínima”. Segundo ela, a proposta criminaliza também a mulher, “ao penalizar duplamente a gestante que sem qualquer intenção ou deliberação tenha tido a gravidez interrompida”. De acordo com Maíra Fernandes, “não há de se falar sequer em abortamento provocado, vez que a gestante não teve dolo, pois se trata de uma infelicidade, de um acidente, que puniu mais a gestante do que qualquer outra pessoa”.
Na opinião da advogada Rosângela Maria de Azevedo Gomes, “o PL passa ao largo de duas situações distintas e extremamente relevantes para abordar o tema do nascituro, que são a gestação desejada e a não desejada”. Em seu parecer a relatora questiona: “Qual o melhor direito a ser protegido? A vida digna da gestante que não quer ou, por vezes, não pode ter aquele filho ou o direito de nascer do feto?”
Descompasso com o STF – De acordo com a advogada, na hipótese de uma gestação não desejada, “a lei não pode desconsiderar a possibilidade de existir uma má formação do feto, como, por exemplo, a decorrente da anencefalia”. Em relação a esta possibilidade específica, Rosângela Gomes disse que “a proposta de lei não deve estar em descompasso com o entendimento presente do Superior Tribunal Federal”.
No julgamento, em abril de 2012, da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, o STF declarou a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada no Código Penal. Conforme registrou a relatora em seu parecer, “de acordo com o Colendo Tribunal, o feto sem cérebro, mesmo que biologicamente vivo, é juridicamente morto, não gozando de proteção jurídica e, principalmente, de proteção jurídico-penal”.
Contudo, em seu art. 3º, o PL estabelece que “o nascituro adquire personalidade jurídica ao nascer com vida, mas sua natureza humana é reconhecida desde a concepção, conferindo-lhe proteção jurídica através deste estatuto e da lei civil e penal”. No parágrafo único do artigo, está definido que “o nascituro goza da expectativa do direito à vida, à integridade física, à honra, à imagem e de todos os demais direitos da personalidade”.
Em relação a este ponto, Sergio Chastinet disse que “os direitos da personalidade existem a partir do nascimento com vida”. Segundo ele, “a proteção dos direitos do nascituro deve se pautar no limite de que se trata de uma expectativa de direito, e não do direito efetivo”.
Rosângela Gomes estendeu a sua análise das possibilidades de uma má formação do feto. “É evidente que em situação similar [à anencefalia], na qual as condições de vida do nascituro após o seu nascimento com vida não lhe permitam uma vida digna, inclusive aos seus genitores, a questão deve ser tratada com o olhar diferenciado, facultando, sobretudo à gestante, a escolha consciente de levar ou não a gestação a bom termo”, disse.
Biodireito – Para Maíra Fernandes, “há no PL várias violações a direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, principalmente no tocante à situação da mulher”. Segundo ela, “as restrições ao direito da mulher e gestante são muito maiores do que os benefícios destinados ao nascituro ou embrião”.
Dentre os diversos pontos do PL criticados por Maíra Fernandes, o art. 8º foi considerado por ela “um exemplo de disposição inapropriada, ao estender ao nascituro os mesmos direitos de uma criança”. De acordo com a advogada, “trata-se de violação do princípio da igualdade, pois está se aplicando tratamento idêntico a situações diversas e sem qualquer critério de proporcionalidade”.
Conforme Maíra Fernandes, “a criança nascida e viva é uma pessoa humana, dotada de autonomia, dignidade e capacidade de ser, estar e sentir no mundo, ainda que em profunda dependência das figuras das pessoas adultas de sua família; logo não se afigura adequado se aplicar a um ser ainda em desenvolvimento os direitos da criança”. Segundo ela, o texto do PL permite a interpretação de que o conceito de nascituro aplicado na proposta inclui o embrião, ainda que concebido in vitro e não transferido para o útero.
“O nascituro e o embrião são seres que não detêm o mesmo status, moral e jurídico, atribuído às pessoas”, afirmou a advogada, para quem “o Estatuto do Nascituro é, na prática, o Estatuto do Embrião, pois o equipara a uma criança nascida com vida, referindo-se, inclusive, ao Estatuto da Criança e do Adolescente”. Maíra Fernandes disse ainda que “o PL estabelece uma equiparação absolutamente indevida e, além disso, incoerentemente, não indica sequer o que fazer com os embriões excedentes dos processos de concepção in vitro”.
A advogada, ao mesmo tempo, ressalvou: “Necessário destacar que não se está aqui a afirmar que o nascituro e o embrião humanos não são merecedores de proteção pela própria possibilidade de virem a se tornar pessoas humanas. Ao contrário, afirma-se ser indispensável a proteção desses seres humanos em potencial, mas se adotando uma forma de tutela adequada ao seu grau de desenvolvimento”.
Bolsa-estupro – No PL, os parlamentares também consignaram, no art. 13, que “o nascituro concebido em um ato de violência sexual não sofrerá qualquer discriminação ou restrição de direitos”. Em seu parecer, Rosângela Gomes inseriu dados do balanço dos atendimentos prestados, de janeiro a outubro de 2015, pela Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República.
Os números demonstraram que 4,86% das 63.090 denúncias recebidas naquele período correspondiam à violência sexual. Sobre a gestação não desejada fruto de violência, a advogada afirmou: “Não se pode afastar a possibilidade de a gestante rejeitar a gravidez, uma vez que esta, além de não ser fruto do seu desejo, representa a violência sofrida e que, naquela criança, estará sempre presente em sua vida”, defendeu Rosângela Gomes.
Segundo Maíra Fernandes, “a proposta legislativa viola o direito previsto em lei da gestante de interromper a gravidez decorrente de estupro para salvaguardar sua honra e dignidade”. A advogada criticou o teor do parágrafo 2º do art. 13 do PL, classificado por ela como “bolsa-estupro”. O texto proposto pelos parlamentares estabelece: “Na hipótese de a mãe vítima de estupro não dispor de meios econômicos suficientes para cuidar da vida, da saúde, do desenvolvimento e da educação da criança, o Estado arcará com os custos respectivos até que venha a ser identificado e responsabilizado por pensão o genitor ou venha a ser adotada a criança, se assim for da vontade da mãe”.
OS MEMBROS DO IAB ATUAM EM DEFESA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. FILIE-SE!