"A situação carcerária no Brasil é uma afronta à dignidade da pessoa humana”, afirmou a presidente nacional do IAB, Rita Cortez, na abertura do webinar. Os debates foram mediados pela diretora de Biblioteca e presidente da Comissão de Criminologia, Marcia Dinis. Ela destacou que “o lançamento da obra se dá não somente no mês comemorativo à mulher, mas no Dia Internacional de Luta contra a Discriminação Racial, o que torna o momento ainda mais relevante, tendo em vista que os corpos pretos são as maiores vítimas do contingente carcerário”. A advogada ressaltou ainda que “as mulheres negras representam mais de 80% da população carcerária feminina”. Cinco e-books foram sorteados entre os que acompanharam o evento pelo canal TVIAB no YouTube.
Lenice Kelner contou como a coletânea foi elaborada: “O livro nasceu de discussões na universidade, razão pela qual todos os artigos foram escritos por acadêmicas da Furb”. A criminóloga, que há 28 anos realiza estudos e pesquisa de campo no sistema carcerário, diz que a sua iniciativa acadêmica visa a “dar voz às pessoas encarceradas”. De acordo com ela, “Santa Catarina foi o último estado do Brasil a ter a sua Defensoria Pública, o que fazia com que os presos ficassem à deriva e não tivessem a quem recorrer para obter a progressão de regime a que tinham direito”. Ao criticar o fato de a população carcerária no País ter ultrapassado a marca de 800 mil presos, Lenice Kelner disse que o seu “sonho é o de que um dia não haja mais nenhuma mulher ou criança presa, ou mesmo nenhuma pessoa presa”.
Wanda Falcão disse que a sua atuação como organizadora do livro se deveu à experiência adquirida nos últimos anos. “Em 2020, na condição de propositora do tema Mulheres e crianças privadas de liberdade no Brasil, que depois se tornaria o título do livro, tive a felicidade de participar de audiências públicas na Corte Interamericana de Direitos Humanos, que havia sido provocada a discutir as condições do encarceramento na América Latina”, informou a professora, que acrescentou: “Mostramos que a situação carcerária brasileira não é nada positiva”.
Ela criticou o fato de a Lei de Execução Penal (LEF) permitir a convivência de crianças de até sete anos no cárcere com suas mães condenadas. “Somos uma sociedade fincada no patriarcado, no machismo, na misoginia e também no menorismo, que atinge as crianças”, afirmou Wanda Falcão. Conforme o art. 89 da LEF, “a penitenciária de mulheres será dotada de seção para gestante e parturiente e de creche para abrigar crianças maiores de seis meses e menores de sete anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa”.
Após a apresentação da obra pelas organizadoras, houve debate que contou com a participação da desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) Kenarik Boujikian, cofundadora da Associação Juízes para a Democracia (AJD). “A minha relação com o tema do encarceramento feminino vem da militância em defesa dos direitos humanos, iniciada há mais de 20 anos, quando a luta era contra a situação de invisibilidade das mulheres presas”, afirmou a ex-magistrada. Segundo ela, “na ocasião não havia recortes estatísticos referentes às penitenciárias brasileiras, somente o número total de presos no País, o que impedia traçar o perfil da população carcerária feminina e, consequentemente, elaborar políticas públicas voltadas para elas”.
O tema também foi debatido pela defensora pública da Vara de Execuções Penais e Medidas Alternativas da Bahia (Vepma) Andrea Tourinho, membro da Comissão de Criminologia. “A obra é fruto de uma pesquisa universitária sobre um tema que precisa ser cada vez mais debatido no meio acadêmico, para mostrar o quanto é equivocado o convencimento de que o aprisionamento em massa é a solução”. O webinar contou ainda com a participação da presidente da OAB Mulher da Seccional do Rio, Flávia Ribeiro, para quem “o encarceramento de mulheres, adolescentes e crianças é uma situação grave e proveniente do sistema escravocrata que marcou a história do País”.