Jorge Rubem Folena
Na abertura do evento, o secretário-geral do IAB, Jorge Rubem Folena, afirmou que trazer a literatura da autora resgatada é muito importante, já que ela tem ecos na realidade brasileira ainda hoje. “Ser mulher no Brasil é muito difícil, ser mulher negra mais ainda, ser mãe preta da periferia e do campo é muito pior”, disse. O lançamento foi conduzido pela 2º vice-presidente do Instituto, Adriana Brasil Guimarães, e teve a participação do presidente da Comissão de Direito de Família e Sucessões da entidade, Luiz Paulo Vieira de Carvalho, e de algumas das coautoras da obra, as advogadas Ana Gleice Reis, Beatriz Silveira, Carmen Felippe, Cássia Cristina Abreu, Edmée da Conceição Ribeiro Cardoso, Eliane Pereira, Erica Bonfim, Fernanda Mata, Rita Cortez, Shirlene Mendes e Tatiana Bispo.
Monica Alexandre lembrou da importância da data do evento, cuja realização coincidiu com o Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha e o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra no Brasil, ambos celebrados em 25 de julho. Lembrando da história de Tereza de Benguela, que foi líder do Quilombo Quariterê (MT) e encabeçou a resistência contra a escravidão no século XVIII, a advogada afirmou que as vitórias da personagem diante dos soldados da Coroa se davam através da união com seus pares. “Por que em pleno século XXI a união não se propaga entre nós, pretos e pobres? Penso que o sistema faz com que nós lutemos uns contra os outros”, concluiu Monica Alexandre.
Na visão da coordenadora do livro, a resistência deve ser feita por meio da aproximação da população negra e do aquilombamento. Foi pensando nisso que o grupo Raízes, organizado por Monica Alexandre, se uniu para pensar o Direito através da literatura negra de autoria feminina. As discussões sobre a obra de Carolina Maria de Jesus deram origem ao livro. “Esse projeto, que nasce a partir desse aquilombamento, é parte de tudo o que somos capazes de fazer. Nós não somos corpos pretos disponíveis nas sedes policiais, nas notícias dos jornais e nas dores; somos muito mais que isso”, disse Carmen Felippe. Erica Bonfim afirmou que a obra não é apenas um sinônimo de resistência, mas um chamado para fazer prevalecer a dignidade humana: “Esse princípio é dito nos nossos tribunais, mas temos que lutar diariamente para que ele realmente exista para nossos clientes e para nós”.
Erica Bonfim
Carolina Maria de Jesus ganhou notoriedade depois da publicação de Quarto de despejo (1960), relato originado de seu diário pessoal sobre o dia a dia como mulher favelada, catadora de papel e mãe solo. Em referência à obra, Shirlene Mendes abordou as desigualdades de oportunidades em um artigo intitulado Quarto de desprezo. “Carolina falou em sua obra que ela via São Paulo como uma casa. Tinha jardim, salas de estar e visitas, e a favela era o quarto de despejo”, contou. A diretora de Diversidade e Representação Racial do IAB, Edmée da Conceição Cardoso, ponderou que a realidade geográfica ainda é visível. “A cidade de São Paulo tem um aspecto perverso pelo seu modelo de urbanização. Anos se passaram desde que Carolina escreveu esse livro e até hoje nós temos mulheres vivendo em barracos, pouca coisa melhorou”, afirmou a consócia.
A luta de Carolina Maria de Jesus, destacou Tatiana Bispo, é a mesma batalha que milhares de mulheres periféricas enfrentam para sobreviver. “Dos escritos de Carolina aos dias de hoje já se passaram algumas décadas, mas seus embates contra a invisibilidade de seu corpo em uma sociedade em que precisamos escancarar o racismo e o sexismo – e que se assenta em um projeto necropolítico – ainda se mantêm vivos”, disse a coautora. A persistência do racismo estrutural também foi apontada por Beatriz Silveira, que lembrou que ser negro no Brasil é permanecer na posição de corpo estranho. “Desde que me propus a entrar no Direito tive que me aquilombar para entender o por que eu não via colegas da mesma cor e com a mesma textura de cabelo em grandes escritórios ou institutos”, refletiu a advogada.
Ana Gleice Reis
As violações sofridas e denunciadas por Carolina Maria de Jesus foram tema do artigo de Cássia Cristina Abreu, que abordou a fome e a “adoção” problemática descrita pela autora. “Ela nos fala em seus textos que parece que o mundo mudou, que o branco passou a adotar o filho do preto. Na verdade, não era isso, mas sim era uma escravização manipulada”, disse Abreu em referência aos regimes de trabalho domésticos analógos a escravidão. A autora brasileira também foi analisada à luz das ausências de direitos fundamentais por Ana Gleice Reis. “Me baseei muito na história de Carolina, levando em consideração o que eu vi na minha vida, e comparei os dias atuais, a época de Carolina e a forma como ela denunciava esses direitos”, contou.
Fernanda Mata
Mesmo depois de ascender socialmente, graças ao sucesso de suas obras, a escritora voltou à miséria. “Ela sucumbe porque de fato verifica que não basta sair da favela, ela sempre vai ser uma pessoa preta”, disse Eliane Pereira. Diante desse declínio, Fernanda Mata destacou a importância de manter o legado da autora: “Vamos construir mais e mais pontes para que consigamos divulgar a Carolina, que é o mais importante”. Rita Cortez, que escreveu o prefácio do livro lançado, afirmou que a sociedade e o Instituto só mudam “quando realizamos eventos como este e quando começamos a trazer uma série de consócias pretas para o IAB”. Também endossando a importância do encontro, Adriana Brasil Guimarães disse que o livro “mostra a força da mulher advogada”. Já Luiz Paulo de Carvalho lembrou que a história brasileira foi feita pela comunidade negra.
Rita Cortez