“Não existe qualquer menção à prática de crime por agentes do Estado, porque o Estado não reconhecia que crimes tinham sido cometidos”, justificou Miro Teixeira. O advogado ainda destacou que os torturadores não poderiam ser anistiados porque eles sequer são conhecidos e nomeados. “Por isso, a denominação ‘justiça de transição’ é mais uma denúncia de que não houve justiça. Ela é necessária para que possamos dizer que isto nunca mais acontecerá. É o nosso caminho”, afirmou.
Da esq. para a dir., Sergio Luiz Pinel Dias e Marcio Barandier
Na abertura do evento, o presidente da Comissão de Direito Penal do IAB, Marcio Barandier, ressaltou que a parceria entre a Casa de Montezuma e o MPF/RJ é importante para mostrar a força das instituições no combate às tentativas de ruptura democrática: “Nós temos que falar sempre em manutenção da democracia porque essa é uma luta permanente. Temos visto essa necessidade inclusive no Brasil de hoje, em que a nossa democracia é atacada ciclicamente”.
Procurador-chefe da PGR/RJ, Sergio Luiz Pinel Dias destacou que o encontro encerra a primeira exposição do Memorial da instituição. Inaugurado no ano passado com a mostra Justiça de transição não é transação: a brutalidade e o jardim, o espaço une arte, história e justiça. “Todos que tiveram oportunidade de ver as obras de arte, documentos e entrevistas exibidos puderam ser lembrados de que o único caminho possível é a democracia e que a ditadura não deixou apenas milhares de vítimas fatais diretas, mas também sequelas nas instituições e na sociedade”, comentou Dias.
A curadora do Memorial da PGR/RJ, Fabiana Schneider, afirmou que o espaço foi pensado para abordar questões que atravessam a Justiça de forma acessível. “As artes têm a vocação de nos sensibilizar e fazer com que as coisas fiquem gravadas na nossa mente. Elas nos despertam sensações que livros, petições ou sentenças não conseguem”, disse ela. Segundo Schneider, que também é procuradora da República, a justiça de transição foi escolhida como primeiro tema de exposição do Memorial para romper com a ideia de que o debate sobre o assunto deve ficar no passado, já que o Poder Público sancionou uma Lei da Anistia. “Crimes que levam a grandes violações de direitos humanos não estão abarcados pelas regras normais de prescrição do nosso processo penal”, completou.
Da esq. para a dir., Antônio Cabral, Ricardo Pieri, Simone Schreiber e Jurema Werneck
O webinar também teve palestras da desembargadora federal e professora associada da Escola de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) Simone Schreiber, do procurador da República Antônio Cabral, da diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil, Jurema Werneck, e do advogado criminal Antonio Claudio Mariz de Oliveira. Os debates foram mediados pelo vice-presidente da Comissão de Direito Penal do IAB, Ricardo Pieri, e por Sergio Luiz Pinel Dias.
Os atos do 8 de janeiro, na visão de Antônio Cabral, demonstraram que o Brasil ainda precisa construir uma cultura democrática. O palestrante sublinhou que nas aulas de História as crianças aprendem que o País, após a ditadura, promoveu uma anistia ampla, geral e irrestrita. “Creio que esse é um dos maiores erros que nos ensinaram. Esse modelo perdoou os crimes sem nenhuma contraprestação”, disse Cabral. Ele ainda ressaltou que a falta de diálogo sobre a justiça de transição fez com que o Brasil continuasse reproduzindo comportamentos desse período: “Se nós tivéssemos feito, assim como outros países, uma justiça de transição, não estaríamos hoje perguntando onde está o Amarildo. Essa cultura de desaparecimento nós herdamos da ditadura”.
Simone Schreiber também apontou que a ausência de responsabilização daqueles que cometeram crimes durante a ditadura deixaram no Brasil uma cultura de violência que ainda não pôde ser superada. “É fundamental que os atores do campo democrático atuem por uma reforma das instituições herdadas no período autoritário, para que se construam bases duradouras para a consolidação da democracia”, disse ela. Segundo a desembargadora, as ações que integram a justiça de transição devem ser desenvolvidas em quatro eixos: resgate da memória, resgate dos agentes responsáveis por crimes contra a população, reparação ampla dos danos causados às vítimas e reforma das instituições.
Da esq. para a dir., Fabiana Schneider, Sergio Luiz Pinel Dias, Miro Teixeira e Antonio Cláudio Mariz
Em sua fala, Jurema Werneck traçou a atuação da Anistia Internacional durante a ditadura militar brasileira. Ela pontuou que a entidade chegou ao País no final da década de 1960 e, no mesmo período, começou a denunciar para o mundo a violência política promovida no território brasileiro. “Em 1972, a Anistia Internacional lançou um relatório sobre acusações de tortura no Brasil. Nesse relatório, que abarcava o período de 1969 a 1972, a Anistia documentou a história de 1.089 pessoas torturadas nas prisões brasileiras e nomeou 472 agentes da repressão do Brasil”, contou a palestrante, destacando que os documentos produzidos pela entidade serviram como pontapé para mobilizações a favor da democracia.
O papel dos advogados na luta contra o regime militar foi comentado por Antônio Mariz de Oliveira. De acordo com ele, a advocacia brasileira na ditadura era dividida entre os militantes, que defendiam os presos políticos, e aqueles que defendiam os colegas perseguidos. “Os advogados detidos eram transferidos de quartel em quartel e os que militavam nas associações de classe, na Ordem e no Instituto dos Advogados, saiam à caça desses colegas entrando com habeas corpus para que a localização dos presos fosse revelada”, contou o palestrante, que cursou Direito nos primeiros anos da ditadura.