Além de abordar a situação das pessoas com transtornos mentais acusadas de crimes, o livro também estuda os locais e o modo de internação prisional desses doentes, o percurso histórico das teorias criminológicas ligadas ao tema e a reforma psiquiátrica brasileira. “Esse livro foi construído a partir de uma experiência prática que se deu na Vara de Execuções Penais, uma vivência acadêmica e uma pesquisa de campo”, contou Cezar Costa. Na abertura do lançamento, o 1º vice-presidente do IAB, Carlos Eduardo Machado, citou que a legislação brasileira ainda não reflete todos os avanços conquistados pela luta antimanicomial: “Embora o Brasil tenha o princípio da dignidade humana e os médicos já estejam buscando essa nova visão, isso ainda não chegou de forma plena no sistema penal”.
Da esq. para a dir., Lúcia Helena Silva Barros de Oliveira, Marcia Dinis, Cezar Costa, Carlos Eduardo Machado, Marcos Luiz Oliveira de Souza, Antonio Pedro Melchior e Marcio Donnici
O evento também contou com as participações da diretora de Biblioteca do IAB, Marcia Dinis, do diretor nacional do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), Antonio Pedro Melchior, do psiquiatra forense Talvane de Moraes, da coordenadora de Defesa Criminal da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, Lúcia Helena Silva Barros de Oliveira, do advogado criminal e membro do Conselho Superior da Sociedade dos Advogados Criminais do Estado do Rio de Janeiro (Sacerj) Marcio Donnici, e do vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos do IAB, Marcos Luiz Oliveira de Souza.
Além de estar previsto na Lei Antimanicomial, Marcia Dinis citou que o tratamento humanizado dos portadores de transtornos mentais é uma prerrogativa da Declaração de Caracas de 1990. “Infelizmente, apesar de vigorarem há mais de vinte anos, na prática essa lei e essa convenção são pouco observadas, em especial no cruel e inadequado tratamento destinado a esses indivíduos”, disse a advogada. Lúcia Helena de Oliveira afirmou que apesar do tratamento dado à pessoa com transtorno mental que cometeu crime ser considerado cuidado, ele se aproxima do encarceramento. “Sabemos que os hospitais de custódia e tratamento estão hoje vinculados à Secretaria de Administração Penitenciária, o que nos causa perplexidade porque o assunto deveria ser tratado pela Saúde”, completou.
Talvane de Moraes
Na visão de Talvane de Moraes, o tratamento incorreto do tema se deve ao preconceito que envolve a figura do doente mental. “A ideia de periculosidade do doente mental que comete ilícitos só surge na nossa legislação penal nas consolidações das leis penais. Antes, se alguém cometia um delito e judicialmente ficasse provado que a pessoa o fez em razão de um transtorno mental grave que o tornou inimputável, o juiz encaminhava essa pessoa para o tratamento psiquiátrico ou para a família cuidar”, explicou o psiquiatra. De acordo com Antonio Pedro Melchior, a ideia de que o sujeito com doença mental é perigoso é disseminada sem as devidas problematizações. “Não discutimos como se pode, se é que se pode, provar um fato futuro incerto, que é o fato relativo ao comportamento daquela pessoa supostamente perigosa”, disse o advogado.
A publicação de Criminalização da loucura, para Marcio Donnici, instiga o leitor a transcender o Direito na análise do tema: “O grande mérito do trabalho é sair da área da dogmática penal e ir a outras disciplinas”. Trazendo o recorte de classe ao debate, Marcos Luiz de Souza afirmou que as opressões sofridas pelos doentes mentais são reflexo da criminalização da pobreza. “O excluído da sociedade é sempre o pobre, o preto, aquele que incomoda. Um distúrbio mental em uma pessoa de uma classe mais favorecida é tratado de outra maneira. Todo o sistema punitivo no Brasil, seja ele dos delinquentes adultos, dos adolescentes, dos doentes mentais, sempre se volta contra os menos favorecidos”, avaliou.