Sérgio Duarte
Relatores do parecer, Roberta Pedrinha e Sérgio Duarte destacaram que o cárcere brasileiro apresenta condições insalubres, cujas características desumanizam os detentos e não permitem que haja a ressocialização – objetivo final da prisão. Eles pontuaram que o projeto desconsidera os direitos fundamentais das pessoas privadas de liberdade: “O que se observa é a incessante ausência de tecnicidade, além da irracionalidade da sanha punitivista, a laborar, continuamente, contra o princípio da proibição de retrocesso da lei em matéria de direitos humanos”.
Na justificativa dos projetos, há o argumento de que leis penais brandas beneficiam criminosos e contribuem com a insegurança da população e com a impunidade do País. Todavia, Pedrinha e Duarte defenderam que o argumento “não demonstra a relação de causa e efeito entre uma suposta leniência punitiva e o aumento da criminalidade violenta, que parece mais ligado a questões sociais, educacionais e econômicas”. Eles lembraram que a Constituição, por outro lado, afasta a possibilidade de penas de natureza perpétua e impõe o respeito à integridade física e moral do preso.
Outras medidas – O PL 2.403/19 também estabelece o regime carcerário inicialmente fechado e aumenta o tempo de cumprimento de pena para a progressão de regime dos condenados por crimes contra a vida, latrocínio, estupro e estupro de vulnerável. De acordo com os relatores, ambas as propostas são inconstitucionais, por violarem o princípio da individualização da pena e impedirem que as penas se adaptem às condições específicas e ao merecimento de cada condenado. “Impedir a individualização da pena às condições pessoais do apenado frustra também o critério de progressividade, pois obstaculiza a verificação das condições para a reintegração do preso à sociedade”, afirmaram.
O mesmo projeto ainda visa ao aumento para 35 anos do prazo de prescrição das penas superiores a 20 anos. Segundo o parecer, a alteração é desproporcional e inaplicável, já que, sob o pretexto abstrato de aumentar a eficácia da lei penal, ela acaba gerando “o custo concreto e inexorável de sacrificar a presteza na administração da Justiça e a duração razoável do processo”.
Pedrinha e Duarte também apontaram que a proposta pode dificultar o trabalho da Justiça por meio de outra alteração: o PL propõe inserir a classificação de crimes preterdolosos como se fossem “dolosos contra a vida”. Segundo os relatores, essa mudança configura uma contradição de termos. “Crimes preterdolosos não são crimes contra a vida, porque não há dolo em relação ao resultado morte. Se houvesse tal dolo, configurariam homicídio, em concurso material com crime diverso praticado pelo agente. Não se trata de mera questão classificatória, porque a competência do Tribunal do Júri é exclusiva, conforme a Constituição Federal, para os crimes dolosos contra a vida, o que ocasionaria verdadeira confusão desnecessária”, explicaram os relatores.
Já o PL 3.492/19 prevê novas hipóteses de homicídio qualificado e propõe que sejam incluídas no rol dos crimes hediondos – o que foi recentemente realizado, em termos, pela Lei 14.344/22. A mudança também foi rejeitada pela análise do IAB: “Não é razoável que se altere a todo o momento a redação do Código Penal em relação ao mesmo assunto, o que é inoportuno, por atingir a segurança jurídica e ocasionar infindáveis problemas de aplicação da lei penal no tempo”.
Marcia Dinis
A presidente da Comissão de Criminologia, Marcia Dinis, comentou a análise em nome da autora da indicação que deu origem ao parecer, Ana Aruti. Na visão da advogada, os relatores foram didáticos ao apontar o caráter eleitoreiro das propostas. “Toda hora surge um projeto como esses, que são violadores dos direitos fundamentais, mas não deixamos isso passar sem que haja o debate necessário”, afirmou Dinis.