A relatora do parecer, Adriana Amaral dos Santos, destacou que a Constituição de 1988 prevê o estímulo ao cooperativismo e garante que a criação de associações e de cooperativas independem de autorização. “Não há justificativa, por parte da Ordem dos Advogados do Brasil, que seja suficiente para dirimir a previsão constitucional de liberdade de organização cooperativa pelos advogados”, argumenta.
Ao colocar em análise algumas decisões de seccionais da OAB, o parecer da Casa de Montezuma aponta que a proibição geralmente está fundamentada pelo objetivo de garantir a personalização do trabalho profissional e a não mercantilização da advocacia. Segundo o IAB, as modalidades de cooperativas de advogados possíveis não apresentam risco a esses objetivos e já funcionam com êxito em países como Japão, Itália, Espanha, França e Colômbia.
O parecer, que foi apreciado pela Comissão de Direito Cooperativo, ressalta que existem duas formas de se estruturar uma cooperativa de advogados. No primeiro caso, seria uma cooperativa de advogados cujos profissionais atuam individualmente com seus respectivos clientes e apenas compartilham os custos para o exercício da profissão, como aluguel, internet, luz, água, telefone etc. “Traçando um paralelo com a sociedade de advogados, organizada atualmente como uma sociedade por quotas, sob a modalidade de sociedade simples, não haveria qualquer incompatibilidade com a modalidade cooperativa, que também é sociedade simples, não tem finalidade lucrativa e é dividida em quotas”, sublinhou a relatora.
No segundo caso, a união de tais profissionais se daria pelo oferecimento de serviços sob a modalidade de convênios, assim como fazem os médicos. De acordo com Santos, esse tipo de cooperativa permitiria melhores condições de trabalho e uma maior remuneração aos advogados. Tomando como exemplo o Sistema Unimed, ela aponta que o volume de negócios da cooperativa médica chegou a US$ 15,61 bilhões em 2021. “Considerando que no Brasil existem 545 mil médicos, aproximadamente, esse valor representa a média de US$ 27.155,96, por médico, o que equivale a R$ 134.422, ilustrativamente falando”, exemplifica a relatora.
Por outro lado, Santos aponta que a maioria dos advogados brasileiros tem renda inferior a cinco salários mínimos e apenas 4,95% deles obtêm ganhos acima de 20 salários mínimos, segundo o Estudo Demográfico da Advocacia Brasileira (Perfil ADV). “Por estarem assim reunidos, prestando serviços à sociedade, os médicos conseguem oferecer serviços de melhor qualidade, além de atingir uma renda média individual bastante significativa. Nesta relação, as responsabilidades são acompanhadas diretamente por seus pares, por meio de um Conselho de Ética que aplica punições àqueles que ferem as normas da cooperativa, permitindo, inclusive, a sua eliminação”, argumenta o parecer.
A análise afirma que essa modalidade de serviço, diferente do que é defendido pela OAB, não fere o princípio da pessoalidade, tão importante nas relações médico-paciente, quanto nas de advogado-cliente: “Apesar de existir um catálogo com o nome dos médicos e as respectivas especialidades, os pacientes buscam um determinado profissional e, se estabelecendo a devida confiança, seguem o tratamento com o médico escolhido. Não há atendimento por um médico e realização de cirurgia, por exemplo, por outro profissional. Tais casos só ocorrem em caso de emergência por vida ou morte, o que naturalmente já ocorre em atendimentos dessa natureza nos hospitais públicos”.
Em uma perspectiva histórica, Santos afirma que o direito de livre organização das cooperativas já foi cerceado em diversos momentos, como na ditadura militar de 1964, por exemplo. No entanto, diante da garantia constitucional prevista desde a redemocratização, estabelecer regulamento que proíba a atividade, segundo a relatora, representa uma antinomia, isto é, uma contradição de normas: “A antinomia se estabelece quando um órgão da importância da Ordem dos Advogados do Brasil, cujos membros têm por obrigação a defesa de direitos, se posta contrariamente à liberdade dos advogados de se organizarem em cooperativas”.
O 1º vice-presidente da Comissão de Direito do Trabalho, Paulo Renato Fernandes, que fez a indicação para a análise da matéria, afirmou que o tema atravessa o debate sobre garantias fundamentais no exercício da advocacia. “O parecer concretiza a ideia de liberdade profissional no trabalho do advogado”, elogiou ele.