O parecer foi encaminhado aos ministros do STF. A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, que atua como amicus curiae, ou seja, participa com outras entidades do julgamento da questão na Corte Suprema, solicitou que o parecer do IAB fosse juntado aos autos do processo. “O dispositivo legal contido no Código Penal, que prevê o trânsito em julgado da sentença para a acusação como marco para o início da contagem, permite ao réu o uso das faculdades recursais, sem que o exercício do direito fundamental à ampla defesa lhe acarrete qualquer prejuízo”, argumentou Marcia Dinis, da tribuna do plenário, na sustentação oral do seu parecer.
Morosidade – De acordo com a relatora, a regra contida no art. 112, inciso I, do Código Penal (CP) “protege o direito do réu ao recurso e salvaguarda os princípios da presunção da inocência, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa”. Segundo a criminalista, o CP, ao estabelecer que a prescrição começa a contar “do dia em que transita em julgado a sentença condenatória para a acusação”, visou a garantir os direitos constitucionais do jurisdicionado. Conforme a advogada, “o réu não pode ser prejudicado pela notória morosidade do Poder Judiciário assoberbado com um alto número de demandas”. Para ela, “a função principal do processo não é a aplicação da pena, mas a preservação dos direitos do réu em face do exercício do poder punitivo do Estado”.
O assunto está sendo discutido no STF, que reconheceu a repercussão geral do Tema 788 nos autos do Agravo em Recurso Extraordinário (ARE) 848.107/DF. A Procuradoria-Geral da República (PGR) sustenta que, como o STF decidiu, em outra ocasião, ser impossível a execução provisória da pena em segunda instância, ou seja, antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, a prescrição deveria começar a contar somente quando não mais coubessem quaisquer recursos. O Supremo analisa a hipótese de inconstitucionalidade parcial do art. 112 , Inciso I, do CP. Em seu voto, apresentado em parte no julgamento iniciado no dia 24 de março último, o ministro-relator, Dias Toffoli, defendeu a tese de que o prazo deve se iniciar no dia em que a sentença condenatória transita em julgado para ambas as partes. O julgamento ainda não foi retomado.
Para Marcia Dinis, “a tese central em julgamento deve ser rejeitada, não havendo que se falar em não recepção pela Constituição Federal da norma do artigo 112, Inciso I, do Código Penal, instituído pela Lei 7.209/84”. A criminalista argumentou ainda que a Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84), elaborada e aprovada concomitantemente à anterior, impôs o trânsito em julgado para que fossem executadas as penas restritivas de direitos e privativas de liberdade. De acordo com ela, “tanto o Código Penal como a Lei de Execução Penal foram concebidos sob a premissa da necessidade do trânsito em julgado para o início da execução, demonstrando a escolha consciente e legítima do legislador infraconstitucional”.
Limites – A relatora também defendeu que a lei não pode ser alterada a partir de interpretação do STF, por meio do instrumento do controle de constitucionalidade. Segundo ela, qualquer modificação cabe ao Poder Legislativo. “Promover uma alteração contrária à literalidade do texto legal pela via do Poder Judiciário, a quem, segundo tripartição constitucional dos poderes, compete a função contramajoritária de interpretação das normas à luz da Constituição da República, constitui uma ofensa à separação dos poderes”, disse. Em sua opinião, “os mecanismos de controle do Judiciário não podem discricionariamente ultrapassar os limites intrínsecos à independência e à harmonia entre os poderes que a Constituição Federal estabelece, especialmente a título de um autoproclamado combate à impunidade e da pretensão de se fazerem políticas públicas”.
Ainda a respeito da manutenção do previsto no art. 112 do CP, com o objetivo de proteger o direito do réu aos recursos, Marcia Dinis também ressaltou: “Faz parte das regras do jogo que a defesa do acusado tenha a possibilidade de recorrer das decisões que entender injustas, exercendo a ampla defesa dentro das balizas do devido processo legal, sem que disso decorra qualquer ônus, inclusive o de ver postergado o início da contagem do prazo prescricional da pretensão executória quando já estabelecido o teto da pena pelo trânsito em julgado para a acusação”.
O parecer propõe, por fim, que, caso a tese do ministro-relator seja aprovada pela maioria do STF, que os seus efeitos não sejam retroativos, atingindo apenas os casos posteriores à publicação do acórdão com a decisão da Corte Suprema.