Para a relatora do parecer, Marcia Dinis, a proposta é uma necessária contribuição para que o Direito Penal não se perpetue enquanto instrumento de opressão. “Pesquisas indicam que pessoas negras têm mais chances de serem encarceradas do que pessoas brancas”, lembra a advogada, que relaciona a desigualdade racial com a situação de extrema pobreza, onde o indivíduo pode ser levado a furtar itens de primeira necessidade. Na justificativa do projeto, os autores ressaltam que, mesmo sendo um crime sem característica violenta, o furto corresponde a 11% das causas de encarceramento, que tem maioria negra. Por isso, o projeto de lei prevê que a pessoa que cometer o furto para saciar a fome ou suprir alguma demanda básica poderá ser absolvida pelo juiz. Em caso de condenação, a regra estipula a aplicação de uma pena restritiva de direitos ou multa, excluindo a possibilidade de prisão.
Segundo o parecer – elaborado a partir de uma indicação da consócia Ana Heymann Arruti –, a criminalização do furto famélico se dá, atualmente, por uma fragilidade nas definições legais, expressa na postura do legislador que não reconhece a insignificância do prejuízo. A exclusão da ilicitude em casos de furto por necessidade, lembrou Marcia Dinis, já está prevista no Código Penal. O presidente da Comissão de Direito Penal do IAB, Marcio Barandier, explicou que os critérios que decidem os casos de furto famélico atualmente não têm segurança jurídica.
No texto do projeto, a regra vale também em casos de reincidência. No entanto, o parecer do IAB recomenda a alteração da redação da norma. “Não há que se falar em crime. O parecer sugere a exclusão desse termo para que não se caia na questão da periculosidade do agente, na medida em que faz referência a características pessoais dele. Se não há crime em tal modalidade de furto, não há pertinência na análise dos precedentes daquele que praticou a conduta”, disse a relatora.
Outro ponto da proposta determina que a ação penal só poderá se concretizar diante da queixa do ofendido. Apesar disso, o parecer do IAB defende que a mudança da ação penal pública para a privada não faça parte da norma. “Entendemos que esse processamento pela via privada fere o princípio da acessibilidade ao Poder Judiciário. Sugerimos a revisão desse enfoque, já que consideramos que o ideal seria que a ação penal, nessas modalidades de furto, fosse condicionada à representação. Portanto, o ofendido teria a possibilidade efetiva de ter acesso à Justiça”, explicou Dinis.
De acordo com Marcio Barandier, a indicação de mudança visa a proteger as pessoas mais pobres vítimas de furto. “O projeto fala em ação penal privada, que demandaria ao lesado a contratação de advogado e um esforço que seria inviável para a população pobre. O parecer teve a preocupação de não inviabilizar a apuração dos crimes de furto quando o ofendido tiver o interesse ou tiver sofrido um prejuízo significativo”, explicou. O também membro da Comissão de Direito Penal Rodrigo Machado Gonçalves avaliou o parecer aprovado no IAB como um texto de qualidade e importância para tornar a proposta mais lúcida. No mesmo sentido, o presidente da Comissão de Direito Constitucional, Sergio Luiz Pinheiro Sant'anna, afirmou que “a contextualização do projeto de lei será de extrema validade por conta do respaldo acadêmico do IAB”.