A relevância da discussão está inscrita na natureza objetiva do Direito, que é a justiça. “Para a Fenomenologia jurídica, a atrocidade constitui um instrumento da construção hermenêutica. A hermenêutica está ligada a perceber o sentido daquilo que nos é dado e mostrado”, explicou Maria Lucia Gyrão. Para aprofundar as lições sobre o tema deixadas por Guimarães, que morreu em 2016, os debatedores pautaram o conceito e o método descritivo da corrente de pensamento em questão. “A Fenomenologia é o ato de perceber e, não como no Positivismo, de aprisionar os fatos em conceitos normativos. Para a Fenomenologia jurídica, segundo os ensinamentos do nosso estimado professor Aquiles, o Direito é um objeto cultural cuja função do intérprete é descrevê-lo. O Direito é uma criação da consciência humana. A existência do homem e a coexistência entre eles constituem a essência do campo”, completou.
O evento faz parte do ciclo de palestras sobre o pensamento filosófico-jurídico da República, promovido neste ano de comemoração do Bicentenário da Independência brasileira. Francisco Amaral ressaltou que a evocação do raciocínio acadêmico de Aquiles Guimarães torna a reflexão sobre a ordem jurídica do Brasil obrigatória neste momento histórico. “É o momento do Bicentenário do Brasil e o lócus privilegiado é o estudo dos advogados brasileiros, que reúne a prática com a teoria. Reconheço que esses últimos anos têm sido extremamente férteis na produção dessa reflexão”, avaliou.
De acordo com Jorge Luiz Câmara, a teoria fenomenológica, que foi desenvolvida por Edmund Husserl, surgiu da necessidade de dar à Filosofia um estatuto de rigor. Para o professor, a busca de igualar a matéria filosófica à estrutura lógica da Física, por exemplo, demonstrou como o objeto das ciências sociais não é ontológico. Segundo ele, o campo de pensamento tem relação com o Direito Penal por “projetar a sociedade em um horizonte de dever jurídico a partir do qual se elaboram normas e preceitos”. O docente explicou que, a partir desse contexto, a sociedade se organiza constantemente pela busca da justiça como valor e da negação da injustiça, mesmo em governos questionáveis. “Nenhuma sociedade organizada praticou justiça como injustiça. Se fizermos qualquer pesquisa empírica, nem os mais arbitrários sistemas que podemos encontrar na história da humanidade se assumiram como injustos. Todos eles buscaram sempre um discurso legitimador e justificador”.
A aplicabilidade desse entendimento, continuou Câmara, pode ser observada no momento político atual do Brasil. Ele exemplificou que os constantes ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) ignoram que as decisões dos magistrados interpretam a justiça como valor tangenciado no momento e contexto do País. Em consonância, André Fontes explicou que a Fenomenologia não trabalha com a concretude, mas com a essência interpretativa dos dados e diretrizes. “A Fenomenologia não se brida ao que é aparente. Em uma leitura de texto de lei, por exemplo, um criminalista mais afeito às questões empíricas, realistas ou mais positivistas tomaria a palavra como imediata à discussão. O fenomenólogo leria as palavras e buscaria o significado daquilo. Ele tomaria o valor por detrás daquilo ou a ideia de que o código segue um pensamento anterior ao código, que não veio do nada”, explicou Fontes.