O tema da efetivação dos direitos sociais também foi comentado pela doutora em Direito do Estado pela PUC-SP Marina Faraco, que participou do painel Direitos fundamentais e jurisdição brasileira. Ela apontou que o Poder Judiciário pode, aos olhos da Constituição de 1988, se manifestar sobre questões que envolvam políticas públicas. Faraco explicou que o texto constitucional prevê que garantias sociais sejam desenvolvidas por meio de leis criadas pelo Legislativo e concretizadas pelo Executivo, mas muitas vezes tais normas não são postas em prática por falta de verba.
Da esq. para a dir., no alto, Jéssica Fachin e Marina Faraco; embaixo, Miro Teixeira e Rubens Casara
No entanto, a palestrante afirmou que o Poder Judiciário pode intervir para garantir a efetivação de direitos sociais previstos na Constituição: “A criação de políticas públicas e a escolha das questões que devem ser contempladas pelo orçamento público na realização desses direitos são de responsabilidade original do Legislativo e do Executivo. Mas o Judiciário, no que diz respeito a políticas públicas, tem um papel fiscalizador e deve se manifestar e realizar esse controle, para que as diretrizes constitucionais sejam seguidas”.
Em sua fala, o juiz do TJRJ Rubens Casara sublinhou que a efetivação dos direitos fundamentais previstos constitucionalmente pode acabar encontrando obstáculo na tentativa de obtenção de vantagens ou no estabelecimento de outras prioridades. “São esses cálculos de interesse que acabam gerando uma escolha trágica”, comentou o magistrado. Segundo ele, um exemplo desse cenário é o impacto de eventos climáticos no Rio Grande do Sul: “O governador disse que foi avisado dos riscos das chuvas, mas que tinham outras pautas que eram também importantes para o estado. Ou seja, o que ele fez foram cálculos de interesse e essas escolhas não necessariamente seguem os critérios constitucionais”.
Da esq. para a dir., no alto, Miro Teixeira e Carmela Grüne; embaixo, Sydney Limeira Sanches
Na abertura do evento, o presidente nacional do IAB, Sydney Limeira Sanches, destacou que a trajetória político-jurídica do Brasil se relaciona diretamente com a Casa de Montezuma: “Estamos discutindo os 200 anos do nosso constitucionalismo em uma instituição que tem 180 anos. Isso significa dizer que todo o debate envolvendo a organização do Estado brasileiro passou pelo IAB”. O presidente da Comissão de Direito Constitucional do Instituto, Miro Teixeira, deputado federal constituinte, ressaltou que o norte da cidadania de uma nação é pautado em sua Carta Magna. “Vivemos esses 200 anos de constitucionalismo e começamos desse ponto a cidadania brasileira. Esse é um trabalho que não acaba, porque a construção democrática não acaba”, disse o advogado.
Diretora de Comunicação do IAB, Carmela Grüne pontuou que debater as constituições brasileiras em um panorama histórico evidencia a importância do constitucionalismo como base para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva. “Essa é uma oportunidade para que possamos refletir sobre os avanços e desafios enfrentados ao longo da história das constituições brasileiras, que refletem momentos de transformações, na busca pela proteção de direitos fundamentais”, completou.
O evento também contou com palestras do pesquisador do Centro de Pesquisas Jurídicas e de Estratégias Públicas e Privadas Antidiscriminação (Cepeje) Sérgio Abreu e do membro da Comissão de Direito Constitucional do IAB Lenio Luiz Streck. A 1º vice-presidente da Comissão de Direito Constitucional do IAB, Leila Bittencourt, as membros do mesmo grupo Nara Ayres Britto, Jéssica Fachin e Joana D’Arc de Oliveira e Miro Teixeira mediaram os debates.
Da esq. para a dir., no alto, Miro Teixeira e Joana D’Arc de Oliveira; embaixo, Sérgio Abreu
Tratando da cidadania em um recorte racial, Sérgio Abreu apontou que a Constituição de 1824 considerava como cidadãos brasileiros apenas os indivíduos livres, excluindo desse grupo as pessoas negras. Durante o painel História constitucional e perspectivas de cidadania, ele também comentou que a Constituição de 1934 previa em um de seus artigos a “higiene social”, que pode ser traduzida como o incentivo ao embranquecimento da população. “Entendo que a Constituição de 1988 foi o grande marco em termos de direitos da população afro-brasileira. Temos que ressaltar a importância do papel do movimento negro na Assembleia Nacional Constituinte porque não foi um texto dado, foi um texto construído. E a criminalização do racismo, que vem a partir do texto constitucional, foi o primeiro passo”, disse o pesquisador.
Da esq. para a dir., no alto, Miro Teixeira e Carmela Grüne; embaixo, Leila Bittencourt e Lenio Streck
No painel O passado como futuro: os vivos são governados pelos mortos?, Lenio Streck encerrou os debates destacando a importância de romper com o autoritarismo. “A ditadura terminou, mas continua. Não fizemos a transição que deveríamos e estamos hoje assim: são os mortos que governam os vivos e alguns mortos-vivos se mantêm nessa história”, disse o jurista, que apontou os atos do 8 de janeiro como uma tentativa de romper com as premissas constitucionais. “Não há dúvida que a tentativa de golpe existiu. Já são 200 pessoas condenadas e mais de 1.200 réus. Porém, não temos ainda as pessoas que financiaram, incitaram e comandaram esse ato”, disse Streck.