Desenhada pelas mãos de Oscar Niemeyer, especialmente para o IAB, em 2009, quando o arquiteto tinha 101 anos de idade, a Medalha Luiz Gama é destinada àqueles que se destacam na defesa do estado democrático de direito. “Você deixa de ser uma figura humana, quando se curva diante de poderosos que desprezam a democracia e a cidadania”, afirmou Bernardo Cabral, que era deputado federal pelo Amazonas em 1969, quando enfrentou a ditadura e teve o mandato e os direitos políticos cassados pelo autoritarismo. Ingressou no IAB no dia 23 de agosto de 1972. “Entramos no Instituto na mesma data, quando ele estava reescrevendo a sua vida num momento muito difícil para ele e para o País”, contou o 1º vice-presidente do IAB, Sergio Tostes, ao saudar o amigo da tribuna do plenário histórico.
Outros também o saudaram. O consócio Aurélio Wander Bastos afirmou: “Na minha vida, convivi com muitas personalidades, mas destacadamente com Bernardo Cabral, que ajudou a construir a República do Brasil”. Membro do Conselho Superior do IAB, Hariberto de Miranda Jordão Filho disse esperar que “o amigo continue trilhando o exemplar caminho até hoje percorrido”. O presidente da Comissão de Direito Constitucional, Sérgio Sant’Anna, destacou o “notável equilíbrio de Bernardo Cabral para conduzir o processo de retorno à democracia”. O deputado federal Paulo Ramos (PDT/RJ), que também exerceu mandato na Assembleia Nacional Constituinte, afirmou: “A anistia e a Constituinte foram as duas grandes bandeiras da resistência democrática, que contou com duas vigas mestras, os deputados Ulisses Guimarães e Bernardo Cabral”.
O ex-reitor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Antônio Celso Alves Pereira também assumiu a tribuna e ressaltou a “bela, construtiva, republicana e corajosa trajetória de vida de Bernardo Cabral, que jamais se afastou do compromisso de defender o estado democrático de direito”. O diretor secretário responsável pelas Relações Institucionais e coordenador da atuação das Representações Estaduais do IAB, Jorge Folena, sintetizou: “O aniversário é dele, mas o presente é nosso, por podermos tê-lo por perto”.
Ex-presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), o desembargador aposentado Marcus Faver, membro honorário do IAB, disse que “Bernardo Cabral é uma daquelas figuras que causam profunda admiração por sua intelectualidade e coragem”. Em sua saudação, Faver recorreu à expressão em tupi-guarani “moronguetá”, que significa reunião para falar de coisas boas, muito comum na terra natal do homenageado: “Estamos aqui, hoje, nessa importante sessão solene, para moronguetá”.
Ao subir à tribuna após as saudações, Bernardo Cabral disse: “Foram belos discursos em minha homenagem, que me tocaram na alma, pelos quais sou muito grato, como sou ao IAB, a quem devo eterna lealdade, por ter me acolhido quando fui cassado, banido e impedido de exercer livremente a advocacia”. O ex-relator-geral da Assembleia Nacional Constituinte ressaltou que, a despeito de tudo que passou, não aceitou a aposentadoria como parlamentar a que tinha direito, nem indenização pelos danos que lhe foram causados. “Recusei tudo isso”, afirmou. Ele finalizou criticando o comportamento atual dos políticos brasileiros: “A grande maioria está voltada somente para os seus interesses pessoais, ignorando as necessidades da coletividade”.
Trajetória – José Bernardo Cabral nasceu no dia 27 de março de 1932, em Manaus (AM), onde estudou dos 11 aos 17 anos no Colégio Estadual do Amazonas. Em 1950, ingressou na Faculdade de Direito da Universidade do Amazonas e, naquele mesmo ano, começou a trabalhar como revisor e, mais tarde, redator no jornal A Crítica. Em 1954, com o diploma de Direito debaixo do braço, largou o jornalismo e iniciou a carreira jurídica. Nos anos de 1955 e 1956, atuou como promotor substituto na comarca de Itacoatiara (AM). Mesmo aprovado em concurso público, decidiu retornar à advocacia. Nos anos seguintes, ocupou os cargos de chefe de polícia do Amazonas, secretário do Interior e Justiça e chefe do Gabinete Civil.
Ingressou na política em 1962, quando se tornou o deputado estadual mais votado no estado pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Foi líder da legenda no parlamento e presidente da Comissão de Constituição e Justiça. Entre 1964 e 1965 foi também conselheiro seccional da OAB/AM. Com o golpe militar de 1964, a extinção dos partidos políticos e a posterior criação do bipartidarismo, Bernardo Cabral se filiou ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição ao regime.
Em 1966, foi eleito deputado federal. Em 1967, o Comitê de Imprensa da Câmara o relacionou entre os 10 melhores parlamentares do ano. Em fevereiro de 1969, teve o mandato e seus direitos políticos cassados pelo período de 10 anos, com base no Ato Institucional n° 5, editado em dezembro do ano anterior. Deixou a capital do País e veio para o Rio de Janeiro reconstruir a sua trajetória.
Entrou para o IAB em 1972 e se tornou conselheiro federal da OAB em 1974. Ocupou o cargo de secretário-geral da OAB Nacional, em 1977, na gestão do presidente Eduardo Seabra Fagundes. Foi eleito presidente da Ordem no dia 1º de abril de 1981, derrotando na disputa o advogado José Paulo Sepúlveda Pertence. À frente da OAB, defendeu o aprimoramento do ensino jurídico e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. Na sua gestão, o Conselho Pleno da OAB decidiu, por unanimidade, lutar pela revogação da Lei de Segurança Nacional (LSN).
Em 1986, Bernardo Cabral foi eleito deputado federal, assumindo o mandato em 1º de fevereiro de 1987, data de instalação da Assembleia Nacional Constituinte, na qual atuou como relator-geral da nova Constituição Federal, promulgada em 1988. Neste mesmo ano, tornou-se observador parlamentar, representando a Câmara dos Deputados junto à Organização das Nações Unidas (ONU), e publicou o livro intitulado O Poder Constituinte, fonte legítima, soberania, liberdade. É membro da Academia Amazonense de Letras (AAL).
Em janeiro de 1990, assumiu o Ministério da Justiça na gestão do presidente Fernando Collor de Mello. Em 1994, chegou ao Senado Federal, eleito com 275.652 votos, tendo sido o senador mais votado do Amazonas. Em 2002, não conseguiu se reeleger.
Entre as muitas personalidades presentes na sessão solene, estavam o ministro Alexandre Agra Belmonte, do Tribunal Superior do Trabalho (TST); o ex-presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL) Arnaldo Niskier; o membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas (ABLJ) Francisco Amaral e o ex-presidente da Rio Trilhos Alexandre Farah, além de dezenas de consócios, diretores e presidentes de comissões do IAB.