Da esq. para a dir., Marcia Dinis, Luciano Góes, Edmée da Conceição Ribeiro Cardoso e Wallace Corbo
Na abertura do evento, a diretora secretária de Diversidade e Representação Racial do IAB, Edmée da Conceição Cardoso, que presidiu a mesa, ressaltou a importância de promover debates com acadêmicos que produzem conhecimento sobre o Direito. “É um prazer para nós receber um dos maiores pensadores da política antirracista”, agradeceu. O lançamento foi mediado pela diretora de Biblioteca do IAB, Marcia Dinis, e teve a participação do doutor em Direito Público pela Uerj Wallace Corbo, da promotora de Justiça do MP-BA Lívia Santana e da coordenadora de Promoção de Equidade Racial da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, Lívia Casseres, que também é membro da Comissão de Criminologia do IAB.
A política antirracista, afirmou Marcia Dinis, é pauta incontornável do Estado Democrático de Direito. “Nós temos que repensar o Direito feito por brancos para reprimir, prender e matar negros. Esse Direito Penal não pode continuar, e para isso o Luciano propõe um antidireito, que evidentemente será antirracista. De outra forma não pode haver Direito Penal”, disse a mediadora. O modelo democrático estabelecido na Justiça brasileira, segundo o autor, é um sistema antinegro que se vale de diversos instrumentos, como a religião, por exemplo, para colonizar e desumanizar os corpos negros com a premissa da salvação. “Romper e impedir nosso acesso aos nossos saberes e princípios fundamentais subversivos africanos, que refletem a juridicidade nos nossos orixás, é fundamental, porque assim se imputa a passividade que o cristianismo nos coloca”, afirmou Góes.
O caminho para romper a prisão colocada, explicou o advogado, é pensar a religião de matriz africana como um mecanismo de reconexão com os antepassados. “O princípio fundamental da negritude brasileira é a ancestralidade, é a partir dela que nós forjamos ou reconstruímos os nossos laços enquanto unidade, enquanto povo negro em diáspora. Pensar nessa justiça, a partir de Xangô, nesse Direito Penal antirracista, é pensar em um sistema de justiça universal, respeitando as nossas diferenças e desfazendo nossas desigualdades”. Para Góes, sem recuperar os saberes do passado não é possível ter um futuro mais plural e antipatriarcal.
Ao entender o Direito como um campo que não é neutro, de acordo com Wallace Corbo, é possível contestar as bases teóricas do Direito Penal para pensar uma libertação. “A pergunta central no fim do dia é imaginar como o Direito é capaz – se é que ele é capaz – de ter qualquer potencial emancipatório, na medida em que ele institucionaliza, aprisiona e violenta qualquer resposta. É exercendo esse ato revolucionário de pensar que nós poderemos encontrar as saídas para a situação em que estamos”.
Lívia Casseres
Segundo Lívia Casseres, é preciso exercer um giro epistêmico no Direito Penal para alcançar um pensamento crítico decolonial. De acordo com a defensora pública, é impossível fazer esse movimento sem questionar a responsabilidade crítica do pensamento criminológico brasileiro. Ela afirmou que o campo ainda não deu conta de promover uma análise racial comprometida com uma crítica aos opressores. “É importante deixar visibilizado o quanto o pensamento criminológico brasileiro progressista – importante dizer – compactuou com esse contrato narcísico da branquitude e teve enorme dificuldade de nomear os processos raciais que são colocados em funcionamento pelo nosso sistema de justiça”, disse Casseres.
Lívia Santana
No movimento de tomar o discurso de crítica, as mulheres negras ainda precisam se valer da voz de homens negros que conseguem romper com o silenciamento, disse Lívia Santana. A autora do prefácio da obra afirmou que, através do seu trabalho intelectual, Luciano Góes se propôs a trabalhar por essa causa. “Ele é um dos homens que se coloca nesse lugar de abrir caminhos para espaços que nem ele mesmo muitas vezes individualmente alcançou, mas que entende, a partir da compreensão das violências múltiplas, que as intersecções, as encruzilhadas de raça e gênero, nos impõem como mulheres negras”. A promotora também afirmou que o processo de emancipação é coletivo: “Essa libertação é um porvir construído por nós em comunhão de Oyá e de Xangô. Enquanto construímos essa libertação, nós ainda contamos corpos, ainda catamos cacos dos corações e ainda temos que secar cada gota de suor e sangue”.